O professor da Universidade Gregoriana, P. Rosato, especialista da teologia dos sacramentos fala da eucaristia como símbolo: “Jesus fez do pão e do vinho símbolos reais do seu corpo e do seu sangue, que tinham de ser partidos… A acção litúrgica da Igreja faz com que o pão e o vinho sejam símbolos reais do corpo e do sangue de Jesus glorificado” (Selecciones de Teología 41, nº 163 [2002] 223.233).
Para que a visão da eucaristia como símbolo não surpreenda, atenda aos conteúdos que mete na palavra símbolo. A linguagem corrente vê-o como algo que pertence à esfera do irreal, ao universo do fantástico e poético, ou ‘como se fosse verdade, embora não sendo realmente’. Usa-se nas ciências naturais, na matemática e na vida diária, mas em vão e de forma abusiva, confundindo-o com qualquer sinal: as fórmulas químicas ou matemáticas, os sinais da circulação rodoviária, a camisola e o escudo de uma equipa de futebol… não têm o que é próprio do símbolo. Usá-lo para designar essas realidades é degradar o simbólico e esvaziar os seus conteúdos. Com esse sentido, não se pode dizer que a eucaristia é símbolo: só se pode, recuperando a sua genuína significação.
Vem de symbolon, contra-senha (de hospitalidade), comparação de duas realidades intrinsecamente relacionadas: a significante, imediatamente perceptível pelos sentidos, e a significada, invisível; é uma representação que sugere o sentido oculto da realidade. Na antiguidade grega, símbolo ligava-se a um eloquente costume: quando um hóspede se despedia do seu anfitrião, como expressão de amizade permanente e em previsão de futuros encontros quebrava um caco de argila, uma varinha, um anel ou outro objecto, ficando cada amigo com um fragmento. A re-união (symbolon) dos dois pedaços e a restauração da sua vinculação originária dava sentido ao reencontro: a renovação e o aprofundamento da antiga amizade. Um pedaço só tinha sentido enquanto era para o outro e se re-unia ao outro, suposto que não encaixava com mais nenhum.
O símbolo é uma realidade (neve), que exprime uma realidade superior, sendo intrinsecamente apta a representá-la (pureza), porque remete para ela sem passar pela via da demonstração e pelo rigor dos raciocínios. Em rigor, não se deve confundir com mero sinal. Este é uma imagem que de modo convencional remete para uma realidade extrínseca, sem relação de conteúdo com ela, como o semáforo: não tem sentido em si próprio, mas só por convenção. O símbolo tem sentido por si próprio. Nem se opõe a real: acrescenta mais significado ao real. Para haver símbolo, tem de haver uma realidade, que significa outra. Quando se falava da Eucaristia e dos sacramentos como sinais de comunicação da graça, no fundo havia a intenção de exprimir os conteúdos que hoje incluímos no símbolo.
Vai-se impondo esta rica ideia de símbolo, também aplicada ao aprofunda-mento do mistério da eucaristia. À luz dessa ideia, o pão e o vinho eucarísticos adquirem outra força significante e outro alcance espiritual. Consagrados pelas palavras de Jesus, tornaram-se simbólicos, adquiriram um valor novo. Para a fé, só alcançam a totalidade de sentido quando juntos e unidos ao corpo e sangue de Jesus como alimento salvífico e como entrega aos outros por amor: já não são pão e vinho ordinários; converteram-se na pessoa de Jesus. Isso é assim, porque o pão, alimento básico e universal do ser humano, tem capacidade intrínseca para remeter, no contexto da fé, para um alimento divino; e porque o vinho, associado ao sangue derramado, tem capacidade intrínseca para significar o amor pelos outros até à morte.
Com a acção simbólica de partir e repartir o pão, Jesus realizava o mesmo gesto dos gregos ao partirem um caco de argila: significava que esse pedaço de pão, bem como a pessoa que o comia, só tinham sentido enquanto unidos a Jesus. Este único pão, partido e repartido entre várias pessoas numa refeição comunitária, une os que o comem, participando todos da mesma fonte de vida. E cada pedaço do pão partido só tem sentido enquanto unido a todas as outras partes do pão inteiro, Jesus: os discípulos, no acto de o irem repartindo vão simbolizando a acção da entrega de si próprios aos outros. Comer significa assimilar um alimento cuja substância passa a fazer parte integrante do ser do comensal. Analo-gamente, o ser eucarístico de Jesus como dom de vida destina-se a ser incorporado na vida do comungante. Mas, enquanto o alimento físico tende a transformar-se na substância da pessoa que come, comer o pão eucarístico visa transformar o comensal na vida daquele que é comido, Jesus.
A refeição eucarística simboliza a real união de fraternidade e amizade entre os comensais crentes e o Cristo. E por ser dom, gera comunhão e pede acolhimento. Aquele que vai à comunhão aceita o desafio de fazer da vida, tal como Jesus, um dom para os irmãos. “Este cálice é a nova aliança selada com o meu sangue”: alude simbolicamente ao mistério pascal de Jesus, como dom de vida aos discípulos, denotando também o seu amor leal até à morte. Bebido, simboliza a assimilação da oferta total da sua vida por amor.
É precisamente quando entendidos como símbolos que o pão e o vinho fazem experimentar à fé a presença real de Jesus: presença real, sobretudo na medida em que é realizadora: torna Jesus presente na vida humana, dando-lhe o toque de vida definitiva. A fé, a palavra e o Espírito permitem ver uma nova e superior realidade nestes elementos significantes: realmente presente está o Senhor.
Não descobrir a ligação da eucaristia ao compromisso social é esvaziá-la de sentido. É muito por isso que os jovens deixam de ‘ir à missa’: não percebem o que vão lá fazer e o que ela vem fazer à vida. Na realidade, celebrar a Eucaristia supõe acreditar que a vida de Jesus Cristo, sintetizada e simbolizada no pão e no vinho consagrados, dá a todas as tarefas humanizantes a dimensão do reino de Deus. Ela tem de fazer efeito, tem de ‘cumprir’ a definição de símbolo. Se a considerar símbolo/sacramento, cada comungante une-se e re-une-se a Jesus, procurando dar corpo ao seu projecto de amizade universal. Se ela não une os seres humanos entre si e com o Ser divino, não passa de um rito a mais: não faz nem produz sentido.
Armindo dos Santos Vaz
Professor da Faculdade de Teologia/UCP