Manuela Silva, Economista e Professora universitária aposentada
“A paz na terra, profunda aspiração dos seres humanos de todos os tempos, não se pode estabelecer nem assegurar, se não se respeitar integralmente a ordem estabelecida por Deus”
(Pacem in Terris”)
Neste tempo de extrema perplexidade e incerteza quanto ao futuro da Humanidade, das relações entre os povos e da preservação da vida no Planeta, as palavras de João XXIII, escritas há quatro décadas, convidam-nos a parar e a reflectir sobre a nossa quota-parte de responsabilidade face ao mundo em que vivemos.
Em vez de uma “ordem estabelecida por Deus”, metáfora que evoca o respeito pela dignidade da pessoa humana em todas as situações e a prática da justiça nas relações sociais, entre pessoas e povos e na relação com os bens da terra, as nossas sociedades caracterizam-se por graves atropelos a estes princípios fundadores de uma convivência humana harmoniosa e pacífica, entre pessoas, grupos e povos.
As ameaças de uma guerra no Médio Oriente, de efeitos imprevisíveis e incontroláveis, sobem de tom e vêm cavando no concerto das nações, fossos preocupantes para a sustentabilidade de um equilíbrio de forças a nível mundial.
Como lembrou o Papa João Paulo II, na sua mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2003, uma tal guerra, a concretizar-se, é uma derrota da Humanidade, um sério revés para todo o mundo. Por causa do número das suas vítimas mais directas, mas também porque introduz uma grave fissura na construção do edifício do entendimento e concertação entre os povos, por via pacífica e diplomática, no reconhecimento universal dos direitos humanos e das leis e acordos que os sustentam.
Para algumas pessoas, esta será, porventura, uma preocupação longínqua, envolvidas que estão com os seus problemas quotidianos – o stress do emprego ou a falta dele; a tirania do consumismo cada vez mais exigente ou a precariedade e escassez de recursos para satisfazer necessidades básicas; as tensões e conflitualidades que se vivem em muitos meios de trabalho e as pressões da competitividade e da excelência; os temores da violência e da insegurança nas periferias das grandes cidades, etc.
Ora, na era da globalização e da interdependência em que vivemos, são cada vez mais ténues as fronteiras entre o individual e o colectivo, entre a parte e o todo.
A Carta encíclica “Pacem in Terris” vem dizer-nos, de modo claro, que “não há paz na sociedade humana (...) se cada qual não observar em si mesmo a ordem prescrita por Deus”.
Neste tempo de quaresma, façamos dos acontecimentos que, nestes últimos tempos, ensombram e abalam o mundo, uma exigência de paragem, para, no silêncio da nossa própria consciência, deixarmos ecoar em nós a pergunta de tom inaciano: Que fiz? Que faço? Que farei? Para, na minha própria vida, respeitar a dignidade da pessoa humana, promover os direitos humanos, praticar a justiça nas relações sociais e na salvaguarda da vida no Planeta.