Dossier

A relação da Igreja com a cultura em João Paulo II

Emília Nadal
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A relação com a cultura foi, e será sempre, um problema maior da Igreja, por ser difícil, em cada época, destrinçar o que é essencial na proclamação da verdade evangélica do que é inerente aos conceitos, às linguagens e aos paradigmas de representação daquela verdade, os quais foram sendo transmitidos por culturas anteriores. A preocupação de estabelecer pontes com os diversos sectores do pensamento e da cultura contemporânea pós-cristã, atravessou o pontificado do Papa João Paulo II e constituiu, porventura, a sua maior batalha, pressionado pela necessidade de uma nova evangelização. Uma acção persistente e quase dramática que ficou patente nas suas encí-clicas, particularmente naquela em que abordou explicitamente a problemática da Fé e da Razão. Para um Pastor como Karol Woytila, com uma Fé inquestionável e avas-saladora, plasmadas no contexto de uma sociedade fechada e de um regime persecutório, seriam dificilmente compreensíveis o ateísmo e a descrença das sociedades ricas ocidentais assim como o pensamento e a prática social inerentes a uma cultura democrática. Assim, a batalha da cultura, inicialmente travada do Papa João Paulo II com uma certa crispação, foi evoluindo até chegar a um admirável gesto de humildade. Se o reconhecimento dos erros cometidos no passado, contra o pensamento e a consciência das pessoas por homens da Igreja, e o respectivo pedido de desculpas não apagam as marcas profundas deixadas na cultura, ele constituiu o lançamento de uma ponte que será fundamental para o futuro. Ao Papa João Paulo II ficou a dever-se uma aproximação com o pensamento e a cultura da Igreja oriental, a introdução do “segundo pulmão” que tanta falta fazia à vida eclesial, no que se refere a uma perspectiva mais espiritual e pneu-matológica da existência e do culto cristão. Esta contribuição para a cultura da Igreja é importante numa perspectiva ecuménica e inter-religiosa a que o Papa deu impulso no plano de uma vivência de comunhão fraterna, a única que permite superar barreiras teoricamente insuperáveis. No entanto, a mais forte e eloquente intervenção o Papa na história do século XX, em directa correspondência com a cultura contemporânea, foram a sua luta pela defesa da dignidade da pessoa e dos direitos humanos, a defesa do meio ambiente e a sua incansável promoção da solidariedade, da justiça social e da paz entre países, nações e religiões. O profundo humanismo do Papa e a sua proximidade física com todos, como expressão do amor-caridade e como testemunho sensível da própria encarnação de Jesus Cristo, foi a linguagem cultural que superou as contradições no que se refere a questões disciplinares e sociológicas, pelo que foi captada e compreendida em todas as latitudes, numa época marcada pela diversidade das culturas em que a fé e a religiosidade se tornam cada vez mais nómadas e itinerantes. Que o Espírito Santo, que guia a Igreja ao longo dos tempos permita ao sucessor de João Paulo II encontrar as linguagens adequadas à diversidade cultural da Igreja e do mundo bem como à itinerância, de pessoas que nunca tiveram, ou que perderam, as referências ao cristianismo. Emília Nadal


João Paulo II