A ressurreição de Jesus da morte
Padre Franclim Pacheco
Bento XVI, no cap. IX do II Parte do livro «Jesus de Nazaré», trata do tema «A ressurreição de Jesus da morte». Este capítulo, tal como os anteriores, deve ser lido e entendido na perspectiva que o autor indicou no início: encontrar o Jesus Real. O autor tem o objectivo de se aproximar da figura de Jesus de um modo que possa ser útil a todos os leitores que queiram encontrar Jesus e acreditar n’Ele. Como pano de fundo, por vezes expressa na referência a alguns autores do campo protestante, está subjacente a crítica, embora de modo não polémico, a certa cristologia que separa da história o Cristo da fé. Por isto mesmo, Bento XVI, ao falar do Ressuscitado, insiste de modo particular no sentido da «corporeidade».
A ressurreição de Jesus, não reanimação, foi a evasão para um género de vida totalmente novo, para uma vida já não sujeita à lei do morrer e do transformar-se… que inaugurou uma nova dimensão de ser homem… uma possibilidade que interessa a todos e abre um futuro, um novo género de futuro para os homens. Para os discípulos, a ressurreição foi tão real como a cruz: «Ele vive e falou-nos, concedeu-nos tocá-l’O, embora já não pertença ao mundo das coisas que normalmente se podem tocar». É totalmente diverso, não pertencendo ao nosso mundo, e, ao mesmo tempo, está presente de modo real, Ele mesmo, com a sua identidade.
A fé na ressurreição diz-nos que há uma dimensão ulterior, para além das que conhecemos até agora. Esta realidade nova, não constatável pela ciência, querida e criada por Deus é tão real e verdadeira como qualquer outra realidade que sempre existiu. É esta realidade que se impõe às poucas testemunhas como um acontecimento tão revolucionário e real que desvaneceu toda a dúvida e, por isso, se apresentaram diante do mundo para testemunhas que Cristo verdadeiramente ressuscitou.
O Credo de 1Co 15,3-8 diz: «Morreu… foi sepultado, ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. Se o sepulcro vazio, como tal, não pode certamente provar a fé na ressurreição, permanece porém um pressuposto necessário para a fé na ressurreição, uma vez que esta se refere precisamente ao corpo e, por seu intermédio, à pessoa na sua totalidade. A comunidade primitiva está a pensar concretamente no Sl 16, 9-11 (Act 2,26-28), aplicando-o a Jesus. Em relação a David, o sepulcro com o cadáver é a prova de que não se deu a ressurreição. Não é o caso de Jesus.
O terceiro dia não é uma data teológica mas o dia de um acontecimento que se tornou, para os discípulos, a viragem decisiva depois da catástrofe da cruz, com uma força excepcionalmente poderosa para suscitar uma mudança tão central na cultura religiosa da semana, renunciando ao sábado e substituindo-o pelo primeiro dia da semana. Foi nesse dia que se deu a descoberta do sepulcro vazio e o encontro com o Senhor ressuscitado.
Analisando as diversas aparições, vê-se que a aparição do Ressuscitado a Paulo é diferente das narrações dos encontros dos apóstolos e das mulheres com o Senhor vivo. O Ressuscitado, cuja essência é luz, fala como homem com Paulo na língua dele. A sua palavra, por um lado, é uma auto-identificação com a Igreja perseguida e, por outro, é uma missão confiada a Saulo.
Nas aparições narradas nos evangelhos o Ressuscitado apresenta uma identidade e uma alteridade, uma verdadeira corporeidade e uma liberdade em relação aos vínculos do corpo. Ele é o mesmo, ou seja, Homem em carne e osso, e Ele é também o Novo, Aquele que entrou num género diverso de existência. Os encontros com o Ressuscitado são encontros reais com o Vivente que, de um modo novo, possui um corpo e permanece corpóreo. Jesus não vem do mundo dos mortos, não é um «espírito», um morto que vive, mas vem precisamente do mundo da pura vida, vem de Deus, como o realmente Vivente que é, Ele mesmo, fonte de vida.
Nos Actos dos Apóstolos, Lucas apresenta as três auto-manifestações do Ressuscitado como o Vivente: aparecer, falar, estar à mesa. A comunhão convivial do Ressuscitado com os seus é expressa pelo termo synalizómenos [«comendo sal juntamente com eles» (Act 4,1)]. O sal é considerado como garantia de durabilidade. O «comer sal» por parte de Jesus depois da ressurreição, como sinal da vida nova e permanente, remete para a nova refeição no Ressuscitado com os seus e manifesta o mistério duma nova comunhão: o Senhor atrai novamente os discípulos para a comunhão da aliança consigo e com o Deus vivo. Fá-los participar na vida verdadeira, torna-os, a eles próprios, vivos e condimenta a sua vida com a participação na sua Paixão, na força purificadora do seu sofrimento.
A ressurreição de Jesus é um acontecimento dentro da história que, todavia, rompe o âmbito da história e a ultrapassa. Não é um acontecimento histórico do mesmo género que o nascimento ou a crucifixão de Jesus. É algo novo, um género novo de acontecimento que ultrapassa a história, mas deixou o seu rasto na história. Por isso pode ser atestada por testemunhas como um acontecimento de uma qualidade completamente nova.
Jesus Ressuscitado manifestou-se apenas aos seus, a algumas testemunhas, e não ao mundo, porque este é o modo como Deus Se revela ao mundo: apenas a Abraão, a Israel. Torna-se homem, mas de modo a poder ser ignorado pelos contemporâneos, pelas forças respeitáveis da história. Padece e morre e, como Ressuscitado, quer chegar à humanidade apenas através da fé dos seus, aos quais Se manifesta.
J. Franclim Pacheco
Artigo escrito de acordo com a anterior ortografia
Espiritualidade