Dossier

A vertigem na investigação do início da vida humana

Alexandre Laureano Santos
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Quando se inicia cada vida humana? Até há algumas dezenas de anos a resposta a esta pergunta continha um evidente interesse antropológico, mas não tinha repercussões práticas nem despertava o interesse da reflexão ética. Tornou-se uma das questões nucleares da bioética actual com o nascimento do primeiro “bebé-proveta”, demonstrando as possibilidades de manipulação nas formas primordiais da vida. Na verdade, os avanços científicos no que relaciona com o início da vida constituem elementos decisivos no debate sobre a natureza e o estatuto das formas primordiais da vida humana. A formação da primeira célula de todos os seres humanos resulta da fusão material de duas células provenientes do corpo dos seus progenitores. Estas células, contendo cada uma apenas metade do material genético de um indivíduo adulto, têm um destino específico. Se não se encontrarem, se não cruzarem os seus genes num ambiente adequado no próprio corpo da mulher, estão destinadas à destruição. Fundindo-se, iniciam uma cadeia de actividades coordenadas e sucessivas, cumprindo um plano-programa que está inscrito nos seus genes. Os materiais biológicos provenientes de cada um dos progenitores vão actuar como se fossem dois sistemas complementares, no sentido da constituição de um corpo humano por reduplicação sucessiva do número de células contendo um padrão nuclear idêntico ao da célula primordial. Nas etapas posteriores do desenvolvimento as células ir-se-ão diferenciar, crescendo o seu número exponencialmente sem descontinuidades, no sentido da formação de tecidos e de órgãos até se atingir a forma de um indivíduo adulto. A realização desse programa está sujeita às condições que são características de cada ser vivo - dependência estrita das condições do ambiente em que vive, adequada nutrição, sujeição aos factores de doença e a exposição às agressões. E está sujeito à morte, muito comum nas fases iniciais em todos os seres vivos. O embrião humano, logo desde a fusão dos gâmetas, não é um ser humano potencial. É um ser humano real que iniciou a sua existência própria e definitiva. A promessa de uma procriação a muitos casais sem as possibilidades naturais de ter filhos conduziu à existência de dezenas de milhares de embriões humanos excedentários das tentativas de fertilização artificial. Conservados no frio, muitos ficam durante um certo período com viabilidade se forem transplantados para o seu ambiente natural – o útero materno e uma família preparados para os acolher. No entanto, o destino inevitável da quase totalidade destes embriões humanos é a destruição. Numa concepção utilitarista, alguns propõem que estes embriões sejam imolados na investigação científica. Todos os casais que se candidatam a técnicas artificiais de fertilização devem ser informados exaustivamente sobre as condições das técnicas a que se sujeitam e sobre o destino dos embriões que serão eventualmente criados durante os procedimentos. Há uma multidão de questões de ordem ética e de ordem legal por esclarecer. A Convenção sobre os Direitos do Homem e da Biomedicina e os textos complementares que se lhe seguiram, dedicados a domínios particulares da investigação, contemplam largamente esta matéria e foram ratificados pela Assembleia da República. No nosso país estão preparados projectos de lei sobre procriação medicamente assistida que aguardam discussão e aprovação. Os dados da ciência demonstram que todos os embriões humanos são seres humanos que se destinam, portanto, ao desenvolvimento autónomo. Como todos os seres com vida são frágeis e vulneráveis. A discussão sobre o seu estatuto de pessoa pertence a outra ordem de raciocínios, mas não pode alterar-lhe a sua natureza humana. Admitir que um embrião humano não é ainda uma pessoa significa aceitar que existem seres humanos que não são pessoas. De qualquer modo, ainda que possam discutir-se certos aspectos do início da vida, não é legítimo a sociedade aceitar a limitação dos direitos do embrião humano e a sua instrumentalização nomeadamente face a outros interesses que não sejam especificamente os da sua vida, os da sua integridade e os do seu futuro. Os progressos da investigação científica e as suas aplicações práticas devem privilegiar o respeito pelo ser humano relativamente aos objectivos e às motivações da ciência e da sociedade, segundo o princípio do primado ético do ser humano em todas as circunstâncias, sobretudo naquelas em que a própria vida pode estar em questão. Quando os interesses de uns e outros colidam, deve existir inequivocamente o primado da vida humana sobre todos os valores e interesses. Assim, todo o embrião humano tem o direito às condições do seu desenvolvimento. Os embriões originados in vitro, não obstante as eventuais reservas e limitações que possam colocar-se quanto às circunstâncias e mesmo à legitimidade da sua criação, deverão integrar-se num projecto parental e poder fazer parte de uma família. Em circunstância alguma poderão criar-se embriões humanos destinados à investigação. Alexandre Laureano Santos Consultor da Comissão Episcopal das Comunicações Sociais


Eutanásia/Bioética