Dossier

A vida consagrada, nesta hora, em Portugal

Pe. Abílio Pina Ribeiro
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A vida consagrada é constituída por homens e mulheres que se comprometeram, pública e oficialmente, a seguir o projecto de vida que Jesus quis para si ao vir a este mundo. Segundo uma expressão literal do quarto Evangelho, Jesus vivia sempre “de cara voltada para o Pai†e era, simultaneamente, “o homem para os outrosâ€â€ A sua virgindade, obediência e desprendimento significam isso mesmo. O seguimento de Cristo na vida consagrada desperta, assim, duas paixões, ou antes uma paixão com duas faces: por Deus e pelo mundo. De vez em quando os meios de comunicação publicam sondagens sobre as profissões e actividades humanas mais valorizadas socialmente. Lá vêm os médicos, os jornalistas, os empresários e outros, ao passo que as pessoas consagradas nem sequer aparecem. Estamos certos, porém, de que o padre, o religiosos/a, o leigo/a consagrado/a, valerão tanto mais na sociedade quanto maior for a sua identidade, a sua diferença, a sua afirmação como pessoas que se entregam apaixonadamente a Cristo e ao próximo. O exemplo de Madre Teresa constitui a melhor prova disso. As pessoas consagradas recebem a vocação como dom e sentem-se impelidas a retribuir o amor recebido de Cristo. Um amor que fazem transbordar para o idoso, a criança, o enfermo, o drogado – enfim, todos esses cristos que nos chamam, cada dia, lá do fundo da sua indigência. Segundo o teólogo Jon Sobrino, a Europa desenvolveu a inteligência, teórica e prática, a razão instrumental, o consumismo, mas falta-lhe compaixão. Os consagrados/as portugueses cultivam a “razão compassiva†na medida em estiverem dispostos a prestar serviços não gratificantes, a ir para outros sítios onde houver mais necessidade, a potenciar o voluntariado, não só como actividade mas também como forma de cultura, a dar espaço a experiências de profunda humanização e de inegável sabor evangélico, tais como a contemplação, o acompanhamento das pessoas, o perder tempo... com Deus e com elas. Dos consagrados portugueses se esperam outras atitudes proféticas. João Baptista Metz dizia que precisamos de ter “a dureza da pele do elefanteâ€. Referia-se à capacidade de resistência como virtude cristã. Resistência contra esta maneira de organizar a sociedade que produz exclusão e sofrimento. Resistência contra um sistema de valores que justifica os fortes, os poderosos. Resistência que é persistência na defesa dos mais débeis, profecia diante da permanente tentação de esquecer o órfão, a viúva, o sem abrigo, o estrangeiro. Resistência que nos impede de ficar passivos perante as injustiças ou de nos resignarmos a que tudo permaneça igual. A pertença à Igreja nunca esteve isenta de tensões e, nesta hora da Igreja e da vida consagrada em Portugal, também existem. A tensão entre fidelidade e criatividade; entre a própria leitura do Evangelho e outras leituras que também se dão; entre a sensibilidade pela causa dos pobres e uma Igreja preocupada de mais consigo mesma e com os seus problemas internos; a identificação com uma comunidade local e nacional e a abertura a uma Igreja universal, católica, missionária “ad gentesâ€. Os consagrados precisam de uma estrutura espiritual que os torne capazes de fidelidade ao Evangelho sem descontos, amor à Igreja sem idolatrias, comunhão sem reservas, obediência sem infantilismos. Abílio Pina Ribeiro


Vida Consagrada