Dossier

A Vida Humana não é só Genoma

Daniel Serrão
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Prof. Doutor Daniel Serrão - Membro Academia Pontifícia para a vida

A Vida Humana não é só Genoma A descodificação do genoma do ser humano é um formidável resultado científico que deve ser saudado, com um sincero aplauso, por todos, crentes e não-crentes numa transcendência - que para nós é IAVÉ, revelado em Jesus Cristo -, na certeza de que a transcendência não está codificada no genoma. O ADN, a chamada molécula da vida, não é o equivalente bioquímico da alma espiritual que se manifesta no homem, como unidade substancial de matéria e espírito, de corpo e alma, de cérebro e inteligência. Mas a informação, arquivada no genoma e expressa em segmentos determinados da sua estrutura química, aos quais chamamos genes, essa influencia, a construção do corpo do homem e, neste, de um cérebro por meio do qual se irá constituir, progressivamente, uma autoconsciência preceptiva na qual se instala e manifesta a inteligência lógica, a inteligência ética e a inteligência emocional. O homem, enquanto ser racional, emocional e ético não é produto dos seus genes. Ele constrói-se, no tempo, com todas as suas experiências cognitivas a partir de percepções sensíveis e sensoriais, já activas na vida intra-uterina, com todas as suas experiências emocionais e afectivas e, principalmente, com o exercício dessa poderosa capacidade, única entre todos os seres vivos, que é o pensamento livre, abstractizante e simbolizador. Quais são, então, os riscos das anunciadas manipulações genéticas de células germinativas, de embriões in vitro e de “embriões” obtidos por transferência nuclear assexuada (clonagem)? Quais são os riscos de escrutinar o genoma activo de um nascituro no útero da mãe ou de um embrião constituído no Laboratório e ainda não implantado? O risco principal de constituir um genoma activo pré-programado por engenharia genética exercida sobre o genoma activo natural, é o de despertar a tentação eugénica entendida como constituição de genomas à escolha do programador, discriminando, pela destruição, os “maus” genomas e promovendo, para o nascimento, os “bons” genomas. Ao mito do filho perfeito e superior, junta-se agora o filho cópia de um homem ou mulher adultos cuja expressão pública, como seres humanos, os tornou dignos de suscitarem a vontade de os produzir em série, por cópia. Ou porque são muito bons ou porque são muito mais, ou muito úteis, ou muito manipuláveis, etc... Pura ilusão. O homem, como unidade substancial de corpo e espírito, não é geneticamente programável. Mas persiste um risco, que não é menor, que é o de eliminar, na fase embrionária ou fetal, seres humanos com modificações da expressão genica que indicam o aparecimento, provável, de malformações corporais, estruturais ou funcionais ou tardiamente, pelos quarenta anos, o desenvolvimento de doenças progressivas do sistema nervoso muito incapacitantes. A eliminação destes embriões e fetos é inaceitável pela consciência cristã e pelos ensinamentos da moral católica. O embrião humano é um ente vivo da espécie humana com direito absoluto à vida e à expressão do seu programa de desenvolvimento. Sobre um corpo com alguns defeitos, genéticos ou adquiridos, pode constituir-se um ser humano normal ou até de grande expressão espiritual, como o atestam tantos exemplos da História da Humanidade. A perfeição física, mais do que um mito, é um conceito que ninguém sabe, nem pode, definir; é, por isso, um conceito vazio. A cópia por clonagem de um corpo já existente, foi realizada em algumas espécies animais e há uns técnicos, pertencentes a uma seita absurda, cujos dirigentes recebem ordens dos extraterrestres, que vão anunciando ter já produzido cópias de seres humanos. Não há nenhuma prova credível de já ter sido produzido um clone humano pela seita ou pelo comerciante da medicina, o italiano Antinori. Mas pode estar algum laboratório credível a trabalhar neste sentido e por tal motivo há um grande movimento mundial para conseguir que as Nações Unidas aprovem, em Assembleia Geral, um Tratado que proíba a clonagem e outras formas de modificações genéticas hereditárias. Para os juristas americanos que preparam o texto deste tratado ou Convenção Internacional, a clonagem é uma ameaça à espécie humana, como um todo, e não a esta ou àquela pessoa, num determinado país. Comparam esta ameaça à das minas antipessoal que foram já objecto de um Tratado Internacional. Em Portugal a clonagem está proibida desde que o nosso país assinou e ratificou o Protocolo de proibição da clonagem humana do Conselho da Europa. A Academia Pontifícia para a Vida, emitiu um Parecer que considera a clonagem humana eticamente inaceitável e contrária à moral cristã, ofendendo gravemente a dignidade humana. Não se defende nem protege a vida humana com aventuras científicas inconsequentes e perigosas como é o caso da produção, em laboratório, de corpos clonados. No caso do homem, o corpo obtido assexuadamente, por clonagem, pode ser parecido com o corpo do qual foi extraída a célula, depois manipulada para se comportar como embrião. O corpo talvez venha a ser parecido, mas nunca será igual. A pessoa que se manifestou nesse corpo e através desse corpo, essa continuará a ser única e não há clonagem que a copie. Cada um de nós constrói-se como pessoa na inter-subjectividade com os outros, na relação cognitiva com o mundo natural e no exercício livre e criador da nossa inteligência dedutiva e lógica. E esta construção autónoma da pessoa é imprevisível, não pode nunca ser copiada. É neste processo de construção da pessoa individual que acontece o mistério da fé numa transcendência e da realização dessa fé no ensinamento revelado. Na Tradição Judaica é a revelação do IAVÉ e na religião cristã é o cumprimento da promessa na pessoa de Cristo como um corpo humano habitado pelo Espírito de IAVÉ, permitindo de certa forma, a sua visibilidade pelos contemporâneos e, até ao fim dos tempos, por todos os que não viram e acreditaram. Não é possível clonar o espírito humano. Mas é possível, ou quase, intervir sobre a informação genética do corpo que está a constituir-se e alterá-lo de tal forma que a construção nele, de uma pessoa seja difícil ou até impossível. É aqui que toda a manipulação genética se torna ofensiva da dignidade humana e, por isso, deve ser combatida. Por outro lado, aproveitar a investigação genética do embrião para determinar que embriões devem nascer e que embriões são para destruir, também não é eticamente aceitável e ofende a moral cristã. Para os cristãos, o embrião tem um direito absoluto não só à vida, como ainda ao desenvolvimento, porque é um ser vivo e porque a sua informação genética tem que poder exprimir-se livremente, no tempo, cumprindo um programa de desenvolvimento. O embrião não é uma coisa é, pelo contrário, a primeira e a mais simples - e também a mais frágil - forma corporal humana. É, de pleno direito, um corpo humano que ninguém pode usar ou destruir. Os conhecimentos actuais sobre o genoma humano, a sua cartografia e, no futuro, as suas funções, são um bem precioso que não deve ser conspurcado, com aplicações que são lesivas do bem estar físico e da dignidade das pessoas singulares e da espécie humana na sua globalidade. A liberdade de investigar para descobrir a verdade, é um importante valor da dignidade humana e deve ser sempre respeitado e promovido. A Igreja Católica não é obscurantista e está aberta a acolher tudo o que uma Ciência responsável e séria descobre sobre a natureza biológica do Homem. O que não pode aceitar-se, em nome da dignidade e lisura da própria ciência, é que os seus cultores se considerem livres para actuarem sobre os seres humanos a partir de interpretações sobre a natureza pessoal dos humanos, quando estas interpretações excedem o campo dos saberes científicos e são indevidamente extrapoladas. Ciência e Fé podem e devem coexistir em Paz, porque cada uma olha para a vida humana com a metodologia que lhe é própria e situa-se no campo definido por essa mesma metodologia. Sendo rigorosas e sem pressupostos, ambas, a Ciência e Fé, constróem, em complementaridade, a imagem mais autêntica do Homem. Prof. Doutor Daniel Serrão Membro Academia Pontifícia para a vida


Pessoa com deficiência