Dossier

Ano Agostiniano: fecho em beleza pede continuidade

Pe. Jorge Guarda
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A cantata Santo Agostinho, o cantor da sede de Deus, executada na Sé de Leiria completamente cheia, com cerca de um milhar de pessoas, atentas e silenciosas, encerrou, em clima de grande beleza e harmonia, o Ano Agostiniano, em que se celebraram os 1650 anos do nascimento do padroeiro da diocese de Leiria-Fátima. O prolongado aplauso da assistência ao solista, coro e orquestra, que executaram a obra musical composta pelo padre António Cartageno para esta ocasião, demonstrou bem a satisfação geral pelo momento de elevação espiritual e estética vivido na catedral. Concretizou-se bem o apelo do bispo de Hipona: louvamos a Deus agora que nos encontramos reunidos na igreja. Mas ele acrescenta: Não deixes de viver santamente e louvarás sempre a Deus. Deixas de o louvar quando te afastas da justiça e do que lhe agrada. Se nunca te desviares do bom caminho, ainda que se cale a tua língua, clamará a tua vida. É um apelo à continuidade. Nos dias anteriores, teve lugar uma outra realização agostiniana: o congresso O Homem, Deus e a Cidade. Durante ele, vários especialistas expuseram múltiplos aspectos da vida e do pensamento do autor das Confissões e da Cidade de Deus. Da vasta mensagem, impossível de resumir em poucas palavras, destacamos o seguinte: S. Agostinho fala do Deus que encontrou e lhe satizfaz plenamente a sua sede de ser, saber e amar. Nos seus inúmeros escritos, testemunha-O como a resposta para as inquietações e desejos mais profundos da alma humana. A sua experiência e pensamento sobre o mistério de Deus como Trindade continua a ser um desafio para as interrogações do homem actual. Foi na Sagrada Escritura que encontrou a Palavra divina que lhe abriu a porta da conversão. A reflexão agostiniana sobre a sua própria experiência espiritual e sobre Deus pode iluminar algumas das questões do homem moderno: o seu desejo de felicidade, as desolações pelas suas debilidades, as dificuldades de viver a fé num contexto de confronto com outras convicções e as tensões entre a solidão e a comunhão. A sabedoria da fé permite-nos aprender a conviver com o respeito pelos outros e suas diversas convicções, mantendo a própria. S. Agostinho soube usar das linguagens e pensamentos correntes no seu tempo e, ao mesmo tempo, superá-las pela perspectiva cristã da pessoa e do amor divino na comunhão trinitária, da relação mútua e do dom recíproco entre as pessoas. Ele continua a ser mestre de fé e vida cristão para hoje. Os eventos mencionados concluem um ano recheado de mais de duas dezenas de realizações, que incluíram iniciativas de estudo e reflexão, manifestações artísticas, não apenas musicais mas também de teatro e pintura, momentos de meditação e de oração, para o aprofundamento e assimilação espiritual, peregrinações a Fátima e aos lugares africanos do itinerário agostiniano, e celebrações, em várias ocasiões, e, finalmente, as publicações de vários estudos e documentação. Com todas as actividades mencionadas, multiplicaram-se as possibilidades de as pessoas acederem ao conhecimento da pessoa, vida e pensamento do sábio e santo doutor da Igreja Católica. O que fica? De tudo o que se realizou fica, em primeiro lugar, o louvor a Deus pelo dom deste “homem fantásticoâ€, como lhe chamou D. Serafim, bispo desta diocese. Mas há também as marcas impressas na experiência de quantos participaram nas várias realizações, quer como protagonistas quer como assistentes e beneficiários. É difícil ficar indiferente à mensagem de vida deste Homem que viveu apaixonadamente na busca do “máximo†para a vida e o encontrou em Deus, a quem se entregou radicalmente, lamentando apenas ter amado tarde esta “beleza tão antiga e sempre novaâ€! O Ano Agostiniano suscitou ainda em muitas pessoas o apetite por conhecer mais em profundidade este Mestre tão antigo e tão actual. Para a Diocese e para a Sociedade leiriense ficam também as obras produzidas no campo da pintura e da música, e as publicações dos estudos e documentos. Não menos importante, é o estilo das realizações, todas elas de grande qualidade e envolvendo múltiplas parcerias com instituições eclesiais, sociais e culturais. Esta colaboração num projecto comum, segundo as competências de cada um, é uma marca que deverá ter continuidade noutras realizações. Este modo de descobrir, conhecer e honrar o padroeiro da Diocese é, inevitavelmente, um caminho que, a seu modo e nas suas dimensões, deverão seguir as paróquias, comunidade e instituições eclesiais. Não podemos festejar os padroeiros apenas com missas, procissões, música e foguetes. É preciso mais e melhor, para os honrar verdadeiramente e nos enriquecermos espiritualmente. A celebração dos padroeiros há-de contribuir para vincar a identidade daqueles que o têm como protector. A participação da Diocese As actividades do Ano Agostiniano envolveram, de variadas formas, muitas pessoas e instituições. Suscitaram empenho e entusiasmo em muitas pessoas. Superaram as expectativas dos mais desconfiados, não há dúvida. Revelaram que há na Diocese capacidades de projectação e de realização, que nem sempre são reconhecidas, valorizadas e aproveitadas. Abre-se, por isso, assim esperamos, uma nova etapa no caminho comum. É aqui que vem a continuidade que agora parece requerer-se, depois deste ano extraordinário. O Ano Agostiniano não chegou a envolver substancialmente o clero e muitos dos responsáveis pastorais das comunidades paroquiais, movimentos, serviços e grupos da Diocese. Foi mais a realização de alguns membros do corpo diocesano do que do corpo todo. Aqui há caminho ainda a andar. É preciso que o que faz a mão, o pé ou qualquer outro membro se torne verdadeiramente do corpo todo. E mais ainda quando se trata de algo de dimensão diocesana, como era a celebração do padroeiro. Certamente que se exige que seja a cabeça a coordenar e a mobilizar todo o corpo para agir em cooperação e unidade. Espero que o projecto diocesano de pastoral em elaboração dê um contributo no sentido desejado. Pe. Jorge Manuel Faria Guarda Dossier AE • Presença Agostiniana na Diocese de Leiria-Fátima • Ano Agostiniano • O Homem, Deus e a cidade • Santo Agostinho na cultura portuguesa


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