Dossier

Ano Internacional da Água Doce - Sedenta Humanidade

Pe. Adérito Barbosa
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Adérito Gomes Barbosa, scj

Ano Internacional da Água Doce Sedenta Humanidade 1. A água um bem imprescindível. A comunidade civil, nomeadamente a ONU e os seus organismos, tem tomado iniciativas significativas para o melhoramento qualitativo da humanidade. A Igreja tem apoiado essas iniciativas e tem procurado valorizá-las com o seu cunho característico religioso. O Ano Internacional da Água Doce (Freshwater) é celebrado em 2003. Lançado a 12 de Dezembro de 2002, é coordenado pela UNESCO. Decidiu também a ONU celebrar o dia 22 de Março de cada ano como o “Dia Mundial da Água”. Em 2003, este dia terá como tema: “Água para o Futuro”. A ONU declarou que a água potável é um direito humano: “um pré-requisito para a realização de todos os direitos humanos”. Apesar dos esforços dos organismos oficiais e mesmo não governamentais (por exemplo, em 1981, a União Europeia tinha 15 milhões de voluntários) a humanidade tem carências enormes: 1.200 milhões de pessoas vivem com menos de 1 dólar por dia. Segundo a UNICEF, morrem por ano 10 milhões de crianças, das quais 6 milhões morrem todos os anos com fome; 600 milhões de pessoas vivem em extrema pobreza e 100 milhões de crianças ficam sem escola. Enquanto uma pessoa nos países desenvolvidos utiliza por dia entre 400 a 500 litros de água, nos países em vias de desenvolvimento não há mais do que 20 litros de água por dia. Nos países desenvolvidos, o volume do fluxo da água da casa de banho é o mesmo que o volume utilizado para uma pessoa nos países menos desenvolvidos durante todo o dia. A água custa 5 vezes mais em Nairobi, no Quénia, do que na América. 2. Símbolo da água. A água que cai do céu, formando os rios, os ribeiros, as fontes e os mares, serve para saciar a sede, para eliminar as impurezas e para combater o fogo. Sem água não existe nada. Segundo a mitologia egípcia, é da água que nasce a terra. Antes da criação, as trevas cobriam as águas originais e o vento de Deus pairava sobre as águas (Gn 1,2). Diz o salmo que Deus fundou a terra sobre os mares e firmou-a sobre os rios (Sl 24,2). A água original tornou-se a água da vida: um rio saía do Éden para regar o jardim. (Gn 2,10-14). De acordo com o espírito de Deus, a simples água é capaz de realizar prodígios. Por ordem de Elias (2Re 5,10-14), o general arameu Naamã mergulhou 7 vezes no Jordão e ficou curado. A água é também comparada a Deus, ou seja, o rio que flui do Oriente, a luz de Deus (Ez 47,9). A água aparece na bíblia também como figura de infelicidade. Por exemplo, o dilúvio (Gn 6,17). Diz o salmo, salva-me ó Deus, a água está a chegar-me ao pescoço (Sl 69,2). A relação entre a água da vida e o espírito de Deus aparece também nos evangelhos. Quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus (Jo 3,5). No Baptismo, a água purifica e renova. No último dia da festa das Tendas, Jesus exclamou: se alguém tem sede, venha a mim e beba (Jo 7,37ss). No diálogo com a samaritana, Jesus distingue a água comum, a do poço de Jacob, e a água que dá aos que têm sede: quem beber da água que eu der, nunca mais terá sede (Jo 4,7-14). S. Ambrósio fala da água como canal da graça de Cristo. A água lava tudo. A aspersão da água benta é símbolo de purificação espiritual e recordação do baptismo. 3.Símbolo da fonte. Em tempos muito antigos, as fontes eram veneradas como divinas. Em certas religiões, os templos eram construídos na proximidade de uma fonte ou mesmo sobre ela. Aparece a imagem das fontes abençoadas. Moisés, ao bater na rocha, fez brotar do rochedo a água necessária para a vida (Ex 17,6). A estrutura deste relato fundamenta-se na falta de água: o povo protesta, há a mediação de Moisés e a seguir a ordem de Deus para fazer brotar a água da rocha (Jo 4, 13ss). Esta sede de água é teologicamente interpretada como a sede de infinito. O povo, aqui, é apresentado a caminho entre o Egipto (origem) e a terra prometida (destino), entre a escravidão e a libertação. Poder-se-iam fazer aqui duas perguntas: a primeira é dirigida ao povo: o que faz ele para alcançar a terra prometida? A segunda é feita pelo povo a Deus: está o Senhor entre nós? A resposta a esta pergunta está na água que brota da rocha. Deus continua a ser aquele que mostra vontade e poder de salvar, apesar da desconfiança e da revolta dos que têm de ser salvos. A lenda judaica refere que a rocha ia seguindo os israelitas pelo deserto. Segundo S. Paulo (1Cor 10,4), os israelitas que atravessaram o deserto beberam de uma rocha espiritual e esta rocha era Cristo. Da casa de Yavé sairá uma fonte (Jl 4,18). A fonte da vida brotará no templo (Ez 47,1-12). Todas as fontes da salvação provêm de Deus (Is 12,3). O salmo (Sl 36,9) glorifica o Senhor por dar de beber aos seus fiéis: a fonte da vida está em ti. A fé em Deus torna-se fonte de vida: Aquele que crê em mim, do seu seio brotarão rios de água viva (Jo 7,38). A fonte da água, referida ao Messias, harmoniza-se com a concepção da antiguidade oriental segundo a qual o rei é para o seu povo fonte de vida. Uma das mais apreciadas pinturas das catacumbas era o milagre da rocha operado por Moisés quando faz jorrar com o seu bastão a água da rocha. Os Padres da Igreja liam este acontecimento como prefiguração do baptismo. Na época primitiva, a piscina que servia para o baptismo, semelhante a uma fonte, era alimentada por água corrente. 4.Sede de Deus. A sede é um elemento das experiências elementares dos povos dos desertos. Para quem tem sede, a bebida significa receber de novo a vida. Uma das experiências mais fortes da peregrinação pelo deserto dos israelitas é o facto de não terem sofrido nem fome nem sede. Quando o povo com sede murmurou contra Moisés, este a mandato do Senhor, bateu com o bastão na rocha e logo saiu água (Ex 17,5). Sede é uma necessidade para manter a vida e é uma exigência da água da vida, da água de Deus. A minha alma sem sede de vós meu Deus (Sl 42,2). Nas profecias, fome e sede são designadas como sinal do julgamento. O interesse de Israel volta-se para tocar flauta e beber vinho, os responsáveis morrerão de fome, os plebeus morrerão de sede (Is 5,12). Um copo de água fria mesmo a um dos menores não ficará sem recompensa (Mt 10,42). A sede pode tornar-se exigência de justiça: bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados (Mt 5,6). “Que o sedento venha e quem o deseja receba gratuitamente a água da vida” (Ap 22,17). Sede é sede do futuro e sede de Deus. 5. A água da vida. Jesus Cristo veio trazer à humanidade a água da vida prometida pelos profetas. Ele é a rocha donde sai a água viva capaz de saciar a sede do povo a caminho da Terra Prometida. Ele é, também, o Templo donde sai o rio que há-de vivificar a Nova Jerusalém. Estas águas são águas do Espírito. Cristo é a água viva que sacia a sede a todos aqueles que aderem a Ele e à fé. Deus é a água fresca no oásis do deserto da vida. Alfragide, 20 de Janeiro de 2003 Adérito Gomes Barbosa scj


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