Dossier

Arte com simplicidade e harmonia

Diogo Lino Pimentel
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No Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, é oportuno que a Igreja, entre nós responsável por vastíssimo património cultural edificado (monumental ou não), reflicta sobre esse tema intencionalmente relembrado. O mesmo se diga quanto aos sítios cultural e pastoralmente significativos. Tomemos um sítio de todos conhecido: Fátima. É um imenso santuário consagrado ao culto mariano, no interior do qual e ao longo dos tempos foram sendo erigidos vários monumentos que, formalmente, nada têm de comum entre si: a chamada Capelinha das Aparições, mais tarde a Basílica e recentemente a Igreja da Santíssima Trindade. Cada um destes elementos a seu modo justifica a designação de monumento. A Capelinha, porque é evocativa e perpetua uma memória transcendente. A Basílica, pela sua arquitectura majestosa e singular que manifesta o carácter sagrado quer do seu espaço Interior, quer do sítio em que está, e com o qual se relaciona fisicamente pela colunata. No topo oposto, a grande nave do novo templo que, no santuário mariano congrega e convida os peregrinos à contemplação do grande mistério fundamental da Santíssima Trindade. Outros pequenos monumentos de diferente carácter se poderiam apontar, como seja a estátua de João Paulo II, ou a própria azinheira com toda a sua carga simbólica. Assim entendido, o conceito de monumento não se caracteriza tanto pelo que habitualmente designamos por monumentalidade, mas muito mais peta carga simbólica que possa estar na sua génese e que desejavelmente se reflecte na sua forma. No caso de Fátima, o local e os acontecimentos nele vividos, foram o motivo determinante da sua progressiva “monumentalizaçãoâ€. E Fátima tornou-se um Sítio. Monumentos e Sítios integram aquilo a que vulgarmente chamamos Património com “P†e que justifica cuidados de protecção e preservação. Classificados ou não, são valores culturais que nos conferem uma identidade própria em que nos reconhecemos e pela qual nos damos a conhecer. Há Património que vem de trás e deste somos “fiéis depositáriosâ€. É uma responsabilidade muito exigente. Não menor nem menos exigente é a responsabilidade, que também nos cabe, de gerarmos novos valores patrimoniais, culturalmente fecundos, nomeadamente ao edificarmos novas igrejas. Mas também ao compormos novos cânticos ou ao procurarmos novas iconografias. Que todos os nossos gestos litúrgicos sejam tocados pela beleza, que todos sejam obra de arte, desde a arquitectura até à alfaia, da escultura ao vitral, passando pela música e pela paramentaria até à simples toalha de altar ou ao arranjo de uma jarra de flores. No seu conjunto, e no pressuposto da sua efectiva qualidade artística, esses gestos serão testemunhos do nosso tempo e do modo como nele nos situamos. O que nos é pedido, não será a produção de arte sacra para um qualquer museu. É-nos exigido anunciar a Boa Nova também por essa via das artes. Isso empenha quem faz e quem pede que seja feito. Neste contexto, e retomando ao exemplo de Fátima, bem nos podemos interrogar onde encaixar toda a quinquilharia de barro, plástico, trapo, pau ou vidro que por lá se encontra e se apresenta como artesanato religioso. Como é evidente, a responsabilidade a que acima nos referimos não é exclusivamente imputável à Igreja, nem respeita exclusivamente aos Monumentos e Sítios e ao Património dos Bens Culturais da Igreja. Mas a Igreja terá responsabilidade acrescida, não só enquanto proprietária de vasto e muito significativo Património, mas também enquanto geradora de novos valores culturais ou, pelo menos enquanto sua “consumidoraâ€. A Igreja usou desde sempre a linguagem das artes para se exprimir. A linguagem da própria liturgia é de natureza artística. Essa mesma natureza não se compadece com modelos estereotipados e meramente convencionais. Quando isso acontece, é a própria vivência litúrgica que entra em rotina, e com ela estiola o espírito criador que a Fé e o Amor exigem. O nosso tempo poderá não ser o mais estimulante para as artes sacras, como também o não será para outras manifestações das artes profanas (se é que isto existe). Simplesmente, a Igreja não pode hoje abdicar delas e, para isso, não pode e não deve ficar dependente das dificuldades circunstanciais que a possam afectar, como sejam a eventual impreparação dos artistas ou do próprio clero. Há que promover o interesse e a preparação de uns e outros. Que as habituais dificuldades económicas não sejam motivo de recurso a expedientes de critério duvidoso, mas antes incentivo para maior exigência de sensata, modesta e humilde procura da simplicidade reveladora do esplendor de Deus (“Olhai os lírios do campo...â€). Nos nossos dias, não será pela ostentação, ou pelo triunfalismo, que daremos o testemunho que nos é pedido. Será sim pela harmonia que formos capazes de encontrar no uso das formas, dos materiais ou dos gestos, por mais simples e despojados que sejam, tornando-os assim capazes de revelarem a verdadeira fonte de toda a beleza. Será daí que poderão nascer novos “monumentosâ€. Arquitecto Diogo Pimentel, Departamento das Novas Igrejas do Patriarcado de Lisboa


Património