Dossier

As religiões e o sofrimento

Elias Couto
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Intenção Geral do Papa para o Apostolado da Oração - DEZEMBRO

Que os seguidores de todas as Religiões cooperem, em conjunto, para aliviar os sofrimentos das pessoas do nosso tempo. 1. O ecumenismo (diálogo e cooperação entre as Igrejas cristãs) é uma das linhas mestras do pontificado de João Paulo II. Mas não só. Com este Papa, o ecumenismo foi a ponte para uma perspectiva mais vasta: a do diálogo e cooperação entre os crentes de todas as religiões. Este empenho no diálogo inter-religioso é uma originalidade do Concílio Ecuménico Vaticano II que João Paulo II levou ao seu pleno cumprimento. Com sabedoria, começou-se por onde seria, talvez, mais fácil: a oração conjunta pela paz, quando os perigos de um holocausto nuclear ameaçavam o futuro da humanidade – foi a histórica jornada de Assis, em Outubro de 1986. Esta e outras iniciativas semelhantes tornaram mais fácil o diálogo entre as grandes religiões, de modo particular, entre aqueles seus representantes mais capazes de entender o alcance de um tal diálogo. Hoje, é possível afirmar, sem receio de desmentido, que não haverá retrocesso nesta atitude, pelo menos por parte da Igreja Católica – pese embora as resistências que, mesmo no seu interior, se fazem sentir. 2. Os primeiros anos do séc. XXI não contribuíram para facilitar o diálogo inter-religioso e menos ainda para aprofundar a cooperação entre as religiões. Alguns afirmam mesmo que as religiões, em particular as monoteístas, se constituem como factores de violência e exclusão, pela sua reivindicação de uma verdade absoluta. E, de facto, actos de tremenda violência têm sido levados a cabo em nome do Altíssimo (seja qual for a palavra que O designa: Deus, Alá, God…) ou, pelo menos, invocando a sua protecção. Vozes autorizadas, porém, se têm erguido para afirmar, sem tibieza, que nenhuma violência tem a caução divina e nunca o nome de Deus deve ser invocado para justificar a guerra, o terrorismo ou outra forma de violência sobre indivíduos ou povos inteiros. O caminho é o do diálogo e da cooperação, tendo em vista os superiores interesses da inteira comunidade humana. 3. O sofrimento está entre as realidades que mais questionam o homem, pela dificuldade em compreendê-lo e assumi-lo. Não admira, portanto, que seja tema e preocupação comum às diversas religiões. Todas têm uma percepção muito aguda desta realidade, considerando-a como «mistério», «castigo» ou «condição» inescapável da existência humana... E todas encontraram modos diversos de lidar com o sofrimento – ou procurando escapar-lhe, mediante métodos de ascese que levam à indiferença perante a realidade material; ou considerando-o, de modo fatalista, como manifestação da vontade de Deus, de modo que não há nada a fazer, senão esperar que passe; ou procurando «opor-se-lhe» activamente, utilizando os meios ao dispor da humanidade para o suprimir ou, pelo menos, minorar a dor daqueles que sofrem. 4. Cada uma a seu modo, as religiões podem contribuir grandemente para «aliviar os sofrimentos das pessoas do nosso tempo». Mas importa ir mais longe. É necessário que os crentes das diversas religiões, por meio do diálogo e encontro mútuos, venham as descobrir as imensas possibilidades da cooperação entre si, tendo em vista acorrer às situações mais urgentes, nas quais se manifesta de modo mais angustiante o drama do sofrimento humano – veja-se o exemplo da Beata Teresa de Calcutá, que, sendo católica, socorria a todos, sem qualquer distinção de religião ou raça. É este tipo de atitudes que justificam a fé, e não o uso do nome de Deus para excluir, perseguir, maltratar, matar! A cooperação entre os crentes, tendo em vista ajudar os que sofrem, pode adquirir modalidades muito diversas: criação de centros médicos em zonas carenciadas, partilha de experiências, programas de formação, criação de centros de acolhimento abertos a todos… de modo a que, localmente e segundo as necessidades do momento, seja possível ver erguerem-se exemplos de cooperação que se tornem, globalmente, sinal de mútua caridade e de respeito pela condição humana, por todos partilhada, seja qual for o credo ou a raça… 5. Iniciativas locais deste tipo serão exemplo de como o diálogo entre os responsáveis das diversas religiões ganha um rosto concreto. Mas há também uma tarefa global, na luta contra o sofrimento, a ser assumida individualmente pelos crentes das diversas religiões. Trata-se de expulsar da mente e do coração a ideia de um deus demasiado humano e ao serviço do mais negativo no ser humano, um deus que justifica o mal que fazemos aos outros e condena o mal que os outros nos fazem. Um deus assim não é, em nenhum caso, o verdadeiro Deus, antes um ídolo em nome do qual muitos se tornam capazes de provocar sofrimentos indizíveis a milhões de irmãos. Libertar-se deste ídolo, por meio do diálogo e da cooperação, será um contributo inestimável «para aliviar os sofrimentos das pessoas do nosso tempo». Elias Couto


João Paulo II