Dossier

Batalha mundial pela posse de terras agrícolas

João José Fernandes
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Uma nova colonização ou uma oportunidade de desenvolvimento?

Ao longo dos últimos 18 meses, aquisições em larga escala de terras agrícolas em África, América Latina, Ásia Central e Sudeste Asiático têm feito manchete nos meios de comunicação social internacional. Terras que há poucos anos eram consideradas sem interesse para os investidores internacionais, começam agora a despertar a cobiça de fundos soberanos dos países produtores de petróleo, de empresas públicas de economias emergentes como a China e Índia, ou de empresas privadas ocidentais.

A 19 de Novembro de 2008, numa época em que a opinião pública estava mergulhada em notícias sobre a crise financeira mundial, o Financial Times  revelava como a Daewoo Logística, filial da construtora de automóveis sul-coreana, cobiçara 1,3 milhões de hectares de terras em Madagáscar, o equivalente a um terço de toda a terra cultivada neste país. "Queremos plantar milho para garantir a nossa segurança alimentar. Pois no mundo actual, a alimentação pode ser uma arma. Podemos exportar a nossa produção agrícola para outros países, ou enviá-lo para a Coreia do Sul em caso de crise alimentar", disse Hong Jong-Wan, chefe do Daewoo Logística. Se é verdade que o povo malgaxe se rebelou contra o predador coreano, provocando a demissão do Presidente da República de Madagáscar, na Etiópia, os investimentos da Índia e da Arábia Saudita, já estão em plena actividade.

Um pouco por todo o planeta, começou a corrida às terras agrícolas. Na origem do fenómeno: o medo da penúria alimentar. Em meados dos anos 1990, assistimos ao regresso do espectro das fome. O número de pessoas desnutridas, depois de se ter aproximado dos mil milhões em 1970, estabilizou em 800 milhões em 1995. No ano seguinte, na Cimeira Mundial da Alimentação, os líderes políticos acreditaram ser possível estabelecer o compromisso de reduzir para metade o número de pessoas subnutridas até 2015. Ironicamente, longe de diminuir, esse número aumentou na viragem do século. De 1981 a 2005, o número de pessoas que vivem com 1,25 a 2 dólares por dia, duplicou, totalizando 1,2 mil milhões.

Hoje, três mil milhões de pessoas vêem-se privadas de alimentação regular (com 3$00 por dia), aproximadamente 2 mil milhões sofrem de desnutrição e mil milhões sofrem de fome. No final de 2008, diz a FAO, o número de pessoas desnutridas, ou seja, que não têm acesso a uma dieta alimentar de 2.100 quilocalorias por dia, já ultrapassava os mil milhões, e 9 milhões de pessoas tinham morrido devido à insegurança alimentar. Na primavera de 2008, os preços das mercadorias (commodities) agrícolas (arroz, trigo, milho, soja, etc.) aumentou significativamente em 52%, atingindo pesadamente as populações pobres de uma quarentena de países, originando protestos violentos.

Preocupados com a estabilidade do preço dos alimentos, muitos governos começaram a promover a aquisição de terras agrícolas em países estrangeiros, em especial países pobres, como alternativa à compra de alimentos nos mercados internacionais. Os países receptores, saudando a nova onda de investimentos estrangeiros, têm vindo a implementar políticas e reformas legislativas necessárias para atrair investidores estrangeiros.

Este contexto em rápida evolução cria oportunidades, desafios e riscos. O aumento do investimento pode trazer benefícios a nível macro (crescimento do PIB e das receitas do governo), e criar oportunidades para elevar os padrões de vida local. Para os países mais pobres e com terras relativamente abundantes, os investidores podem aportar entrada de capital, tecnologia, know-how e acesso ao mercado internacional, podendo desempenhar um papel de catalisador no processo de desenvolvimento económico nas zonas rurais.

Por outro lado, esta estratégia de aquisição de terras em larga escala, pode resultar em grandes perdas de acesso aos solos aráveis e aos recursos naturais (por exemplo água para irrigação) por parte da população local que deles depende para a sua subsistência e segurança alimentar. Os residentes locais podem ser directamente despossuídos da terra em que vivem, muitas vezes seu património de longa data, principalmente devido à falta de registos de propriedade e à incapacidade de fazer valer os seus direitos.

Outros impactos indirectos também podem ser de grande importância, embora estes geralmente sejam mais difíceis de medir. Entre eles inclui-se a perda de acesso a recursos sazonais de grupos não-residentes, como pastores nómadas, ou mudanças no equilíbrio de poder entre  mulheres e homens, com benefício para este últimos devido aos ganhos imediatos que representa o aumento do valor comercial da terra. Repercussões podem existir em outras zonas do país, pelo facto de os antigos usufrutuários serem empurrados para outras áreas com solos de menor produtividade, acentuando ainda mais o risco de exclusão de acesso ao mercado de terras por parte das famílias mais pobres e/ou etnias marginalizadas.

 

João José Fernandes, Director Executivo Oikos – Cooperação e Desenvolvimento

 

Para saber mais:

Relatório de Investigação

Cotula, L., Vermeulen, S., Leonard, R., Keeley, J., Land grab or development opportunity? Agricultural investment and international land deals in Africa. (FAO, IIED and IFAD, 2009).

Revista de Informação

Le Grand Défi Alimentaire, (L’Hebdo, 3 de Setembro de 2009). Disponivel em http://www.hebdo.ch

Sites de interesse

http://www.ifpri.org; http://www.grain.org; http://farmlandgrab.org/; http://www.fao.org



África Sínodo dos Bispos