Dossier

Bispo do Porto

Paulo Rocha
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Bispo há 25 anos, há 10 do Porto. Honra-o ser 'Bispo do Porto', também porque é portuense e portista. Este ano, D. Armindo Lopes Coelho marca o ritmo da Igreja diocesana do Porto também porque celebra as Bodas de Ouro Sacerdotais e de Prata Episcopais.

Agência Ecclesia – Celebrar 50 anos de ordenação sacerdotal e 25 de ordenação episcopal é olhar um percurso de vida que, à partida, teve alguma previsão? D. Armindo Lopes Coelho – Confesso que nunca tentei adivinhar, prever ou sonhar. O tempo passa. Passou com naturalidade e eu fui sendo testemunha e agente daquilo que comigo acontecia. AE – Sem preocupações por estratégias? ALC – Não… nunca tive estratégias, nem sonhos de futuro. Costumo dizer muitas vezes que a última coisa que pedi foi, através de um requerimento, para ser ordenado presbítero. E nunca mais pedi nada. AE – Que missões eram pedidas aos sacerdotes em 1954? ALC – Eu não diria que era pedido alguma coisa, antes que era exigido tudo o que faz parte do estado eclesiástico, sobretudo o que diz respeito à vida pastoral paroquial. No seminário os alunos eram preparados intelectual e pastoralmente para o exercício do ministério que era, normalmente, paroquial. AE – De então para cá, registaram-se mudanças, na formação, no perfil do sacerdote e sobretudo nos contextos sociais e as dinâmicas paroquiais? ALC – Ordenei-me em 1954. D. António Ferreira Gomes mandou-me de imediato para Roma. Quando cheguei, em 1959, tinha sido já anunciado o Concílio Vaticano II. Entrei para o Seminário como prefeito e professor, onde estive durante todo o concílio, e continuei como professor no seminário até ter sido nomeado Bispo Auxiliar em 1979. Vivi no seminário, como aluno, aquilo que era clássico e tradicional de há muito tempo. Voltei depois num período de uma certa agitação e expectativa sobre aquilo que ia ser o Vaticano II. Continuei a leccionar no espírito do Vaticano II. O meu período de transformação foi, assim, durante o Concílio Vaticano II, através de leituras e acompanhamento do Concílio AE – Foi natural essa transformação? ALC – Foi. Até porque o Concílio foi convocado depois de ter havido, durante décadas, transformações em várias áreas (na liturgia, na própria dogmática) que nos faziam antever uma grande transformação conciliar. Eu estava disponível, aberto, na expectativa do Concílio. Quando vim para aqui como Bispo Auxiliar, trazia já no meu espírito aquilo que eram as transformações operadas dentro da própria instituição e aquilo que eram os anseios, os desejos em ordem a uma vida pastoral renovada. Antes disso, quando cheguei de Roma em 1959, fui cumprimentar o Senhor D. António Ferreira Gomes que, oralmente, me nomeou prefeito e professor do seminário Maior. No dia seguinte ele foi para uma “férias†que duraram 10 anos. Quando regressou em 1969, ele trazia a experiência do Concílio em que esteve presente e colaborou. O Senhor D. António vinha um homem pós-Conciliar. No ano seguinte nomeou-me para a Reitoria do Seminário. Fiz, assim, um percurso como Reitor do Seminário acompanhado com o pensamento e a orientação de um Bispo que vinha do Concílio, que trazia a reforma na cabeça e no coração. Com Ferreira Gomes, aliciado a renunciar AE - Como foi a convivência do Senhor D. Armindo com D. António Ferreira Gomes? ALC – Aquilo que se passou na Diocese no relacionamento com o Sr. D. António, só nós os diocesanos do Porto o podemos compreender e até mesmo testemunhar. Durante os 10 anos em que o Sr. D. António esteve no exílio, não houve, creio, padre nenhum da Diocese que se recusasse a colaborar com o Administrador Apostólico ou que manifestasse menos amor ou dedicação, ou mesmo alguma frustração ou desânimo em relação à Igreja, à Igreja Diocesana. Continuamos a trabalhar sempre na expectativa de que o Bispo viria no… dia seguinte… Mas viria, como veio. A Diocese não paralisou. AE – Não estava fracturada, a Diocese? ALC – Não. Embora (e por isso é que eu digo que ninguém como nós pode ser testemunha) existissem interpretações erróneas de fora, a partir de incidentes que não tinham importância nenhuma: no cânone, por exemplo, uns falavam do nosso Bispo António, outros do nosso Bispo Florentino. Depois discutia-se se jurídica e liturgicamente poderia ser um ou outro e cada um defendia a sua opinião… AE – Ninguém sentia na diocese que estaria com substituto? ALC – Não. Na Diocese havia o pensamento generalizado que o Bispo deveria regressar. Sentíamos que era a posição dele, que não renunciou à diocese mesmo quando foi aliciado - e até com altos postos na hierarquia da Igreja – para renunciar. AE – Aliciado por quem? ALC – Por outras pessoas. AE – Da Igreja? ALC – Foi aliciado por outras pessoas (eu aqui não tenho grande pormenores nem nunca quis investigar. Sobretudo não quero faltar à verdade). AE – Sente que há diferenças quando alguém se dirige ao Bispo do Porto ou ao D. Armindo Lopes Coelho? A expressão “Bispo do Porto†está marcadamente ligada a D. António Ferreira Gomes? ALC – Está. E eu diria que é um título humanamente apetecível. Se isto não é pecado, é um título que honra muito quem tiver o direito de o usar, pela tradição que conhecemos de Bispos do Porto, nomeadamente neste século. D. António Barroso, por exemplo, que tem introduzido o processo de canonização. D. António Barroso é o célebre Bispo que mandou ler a carta de protesto contra o governo, aquando da promulgação da Lei da Separação, que os Bispos portugueses consideraram injusta: prepararam um documento para ser lido, o Afonso Costa ameaçou-os, alguns hesitaram e… D. António Barroso insistiu que a Carta fosse lida. Resultado: Afonso Costa chamou-o a Lisboa, D. António Barroso foi mal tratado pela “populaçaâ€, pessoalmente muito respeitado por Afonso Costa que terá oferecido um charuto a D. António, mas destituiu-o de Bispo da Diocese (ele foi exilado) e esta casa (residência episcopal) foi entregue à sociedade civil e câmara do Porto instalou-se aqui em 1914 até à década de 50. Só o administrador apostólico, D. Florentino de Andrade e Silva, é que veio para aqui para abrir uma era nova. (D. António Ferreira Gomes tinha mandado preparar a casa, mas entretanto foi para exílio). AE – Esse perfil, de D. António Barroso, é de alguma forma o perfil tipo do Bispo do Porto: com radicalismo nas posições que assume, mesmo à custa da impopularidade? ALC – Não. Não é uma prerrogativa exclusiva dos Bispos do Porto. Agora, continuo a afirmar: é uma honra para qualquer bispo ser “Bispo do Portoâ€. Viana do Castelo AE – Nos 25 anos de ministério episcopal, parte considerável foi passada na Diocese de Viana do Castelo. Que balanço faz desse período? ALC – É muito difícil falar de Viana do Castelo em confronto com o Porto. Ao fim de 25 anos de episcopado, 15 passaram-se em Viana, no Porto 10. São circunstâncias diferentes: a diocese do Porto tem mais de 2 milhões de habitantes; Viana tinha 160 mil habitantes; a Diocese do Porto tem 467 paróquias, a de Viana 192; no Porto tenho 3 auxiliares, em Viana era só. É muito diferente ser Bispo único numa diocese ou ser Bispo com auxiliares noutra diocese. Em Viana, eu era Bispo para todas as actividades: ou estava presente ou não havia Bispo. Aqui não posso trabalhar nos mesmos moldes: tenho determinadas áreas distribuídas pelos Bispos Auxiliares. Isso significa que não tenho diante de mim a felicidade de viver aquilo que são os grandes momentos da vida de um bispo: as visitas pastorais, o contacto com o povo, com os vários movimentos. Portista AE – Que liderança está reservada ao Bispo do Porto, Bispo de uma região referência do país? ALP – O Bispo do Porto não é líder de nada. É o responsável primeiro da diocese enquanto tal. Não é líder de nada: nem de pensamento, nem de atitudes, instituições, região… nada! AE – Em todo o caso está com os líderes da região…? ALC – Evidentemente que está. Tenho bom relacionamento, como deve ter qualquer bispo, com as autoridades civis ou militares, ter boas relações com os que mandam. O Bispo não manda nada. O Bispo é apenas o responsável pela Igreja diocesana. AE – Mas o D. Armindo Lopes Coelho gosta do Porto: gosta de ser tripeiro, de ser portista! ALC – Eu nasci no Porto. Se não gostasse do Porto era de alguma maneira traidor. Sou portista: não tenho culpa nem mérito porque, nessa coisa do desporto, a paixão nasce quase com a nossa estadia no berço. Sei que há vocações tardias, mesmo no desporto. A minha vocação portista é desde a infância. Eu sabia lá que havia Boavista ou Salgueiros no Porto… A minha família era portista, eu também comecei a ser portista. Não considero que firo a susceptibilidade de ninguém por isso: estive este ano na inauguração do estádio do Porto, estive também no do Boavista, nos cem anos do Boavista… e desejo tantos êxitos ao Boavista como ao Porto, para já não falar do Salgueiros, que é por ventura o clube mais popular do Porto. Gosto muito do desporto, gosto muito de futebol e, evidentemente, tenho as minhas preferências. AE – Ser por uns não significa ser contra os outros? ALC – De maneira nenhuma, mesmo que não sejam do Porto. Eu não sou contra ninguém. AE – A sociedade actual provoca interpelações e preocupações? Partilha do dito desânimo dos portugueses? ALC – Antes de tudo, eu sou muito optimista. Há quem diga que eu tenho um bom humor. E isso ajuda-me a ser feliz, ajuda-me a ser optimista. Eu nunca esqueço e ando constantemente a repetir, sobretudo quando crismo jovens: “não tenhais medoâ€. Eu não tenho medo. Mesmo que a sociedade apresente sombras, com esta palavra de Cristo e a ajuda que o meu humor me dá, não tenho medo. AE - Mas há problemas que afectam a sociedade negativamente? Sem duvida nenhuma. Eles andam aí pela vossa pena, no vosso trabalho nos vários canais de televisão. É penoso até falar nisso, que é evidente. Mas isso não me desanima. AE - Mas estará a acontecer a degradação humana? ALC - Eu não quero falar de cada pessoa que se degrada. Antes de uma sociedade que apresenta certas somas de degradação. E os culpados somos nós todos. Nós somos todos responsáveis da sociedade. Eu não pertenço a nenhum grupo de puritanos a olhar para a sociedade para a criticar. AE - Que projectos alimenta para os próximos anos, para esta diocese? ALC - São projectos que sintetizamos, eu e os Bispos Auxiliares, ao terminar o Grande Jubileu. Estabelecemos, e anunciamos já à diocese, algumas prioridades, que entretanto se vêm formulando de modo mais preciso. Neste momento estamos a lançar um programa, que posso agora delinear, que foi preparado com os Bispos Auxiliares, com o Conselho Presbiteral, com o Conselho pastoral Diocesano e com os grupos de padres que participaram nas Jornadas de Actualização. Este programa, a ser lançado de modo formal na diocese, começa pela Evangelização. Não como termo vago, antes uma evangelização à base da formação bíblica, intelectual e que leve à vivência. Uma espécie de revisão de vida a partir dos estudos Bíblicos, que vão ser implementados em toda a área da diocese. Neste programa, temos outros temas englobados: a família, as vocações, a juventude e a dimensão social. AE - A celebração de dois jubileus constitui um momento privilegiado para a vida e o revigoramento da diocese? ALC - O que houver não será lançado por mim. O que há de revigoramento, está em acção. A diocese é constantemente trabalhada ou pela presença dos quatro bispos ou pela vinda de grandes responsáveis à Diocese. Bispo com os media AE – Acha importante a comunicação social nos compromissos pastorais que a Igreja tem no mundo de hoje? ALC – Acho muito importante. Aprendi a considerar a importância da comunicação social em Roma, quando estava lá a estudar. Não ia sensibilizado, mas vim sensibilizado. AE – Mesmo que, por vezes, deturpe a verdade… ALC – Como sabe, é uma problemática muito vasta. Claro que se a comunicação social faz uma reportagem ou dá uma notícia e me faz referências que não me agradam, eu fico desagradado com a comunicação social. Se dá notícias sobre assuntos que me são gratos e dão a conhecer aquilo que eu entendo que deve ser conhecido e diz a verdade ou aquilo que eu considero que é verdade, é claro que isso me agrada mais. Portanto, a comunicação social está muito exposta, como estamos nós que somos visados pela comunicação social. Há momentos menos agradáveis. Às vezes, dentro da Igreja, há questiúnculas, há “guerrinhas†que para nós não têm muita importância, mas a comunicação social dá-lhes importância e, para nós, é menos grato. Mas isto é muito subjectivo. E um Bispo não pode escapar a esta subjectividade que, às vezes, pode redundar até em injustiça. AE – Foi o que aconteceu com uma recente notícia do Expresso? ALC – Sim. Fiquei, de facto, aborrecido, porque aquilo não correspondia à verdade. Mas eu não quero falar nem do Expresso nem da matéria tratada, porque estamos num momento em que já se disse tanta coisa e se continua a dizer tanta coisa que não tenho mais nada para acrescentar. AE – E já é conhecido o pensamento do Sr. D. Armindo sobre a matéria… ALC – Sim: estou perfeitamente em harmonia total com a Igreja Católica e sou um radical contra o aborto. Entre os seus pares AE – Referindo-nos à Igreja Católica em Portugal, perguntava-lhe: como vive a colegialidade entre o episcopado português? ALC – Vivo com normalidade. Mas há momentos em que se sente efectivamente. São aliás os momentos em que, expressamente, se fala no assunto. A minha ordenação episcopal, a minha entrada em Viana e minha entrada aqui no Porto, são exemplos disso. Aqui no Porto tive a presença muito colegial do episcopado, de modo especial colegas Bispos e amigos de há muito, como o caso do Senhor Cardeal D. António Ribeiro. Estava num momento muito difícil da sua vida, com a sua saúde muito abalada e eu comovi-me quando cheguei junto dos bispos e vi o Senhor Cardeal já paramentado e sentado numa cadeira. Foi um momento particularmente sensível desta amizade colegial. Ele personificou-a com os outros muitos bispos que estavam aí. A colegialidade episcopal, para além de ser uma ideia, uma convicção, um sentimento e uma realidade que fundamenta a nossa própria unidade episcopal, é também uma força extraordinária de segurança doutrinal e pastoral que retiramos desta convivência. AE – É fácil encontrar sintonias entre várias sensibilidades? ALC – É muito mais fácil do que se possa pensar. Há uma grande força, que não se explica, de convergência na unidade. E quando, doutrinalmente, se discutem temas, e, pastoralmente, se discutem atitudes, há um movimento que não se pode explicar, que está acima da nossa razão e, certamente, tem como causa o espírito que nos une. Confira o Dossier da Agência ECCLESIA • D. Armindo Lopes Coelho


D. Armindo Lopes Coelho