Dossier

Bispos visitam a Escola em Portugal

Jorge Cotovio
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Jorge Cotovio comenta a Carta Pastoral «A Escola em Portugal. Formação Intregral da Pessoa Humana»

A escola portuguesa está a viver um momento ímpar na história da educação nacional. Instigados por resultados estatísticos que nos colocam mal no ranking europeu, os nossos governantes não se cansam de inventar e ensaiar novos paradigmas e novas estratégias para, com alguma engenharia política e muita habilidade estatística, alterar rápida e milagrosamente os nossos maus desempenhos. Como os curtos quatro anos de um mandato não se coadunam com tempos de reflexão profunda e diálogo alargado, a maioria absoluta até vai permitindo a imposição de normas, estatutos, regulamentos que, não deixando de ser muitos deles pertinentes e necessários, mal digeridos pelas partes conduzem a graves congestões. É precisamente no meio de manifestações de professores e de alunos e de manifesta intransigência do poder político que surge, com toda a oportunidade, uma carta pastoral dos nossos bispos sobre a Escola e a educação integral da pessoa. Estamos perante um documento que, não deixando de ser poético em alguns aspectos, alia a densidade à clareza, toca em todas as estruturas conectadas com a escola e, inteligentemente, entra na pessoa que mora no aluno, descobrindo nele um “homem-pessoa†(e não “homem-objectoâ€), aberto não só aos valores científicos, mas também aos valores espirituais – qual educação integral onde a solidariedade e a fraternidade vencem o egoísmo e a competição desenfreada. Descoberto o aluno, os bispos entram na escola, desde o básico ao superior, dizem que ela tem de ser antropológica, verdadeira, promotora do valor da vida – “o valor primordial e fundamental de todos os outros valores humanos†–, integradora de saberes, aberta a todos, geradora de espaços de liberdade. E como a vêem cheia de dificuldades, decorrentes das muitas fragilidades da sociedade (que elenca), apelam à cooperação de todos para a ajudarem a ser escola de qualidade, de rigor, de trabalho, a fim de realizar os alunos e desenvolver o país. É assim que interpelam os pais, os professores e pessoal não docente, as autarquias, as associações profissionais, culturais, socioeconómicas, a comunidade circundante, e os convidam a actuarem concertadamente de modo a proporcionar aos jovens “horizontes de referência, marcos orientadores, esquemas unificadores capazes de hierarquizar e ordenar saberes e valores e discernir critérios de avaliação de comportamentos com especiais implicações sociaisâ€. Os bispos entram ainda com mais convicção e à vontade nas escolas católicas – as suas escolas – e percorrem amiúde as salas de aula, os corredores e recreios, a sala de professores, o gabinete do director, os livros de ponto, os projectos educativos, os planos de actividades, os regulamentos internos. E deixam escrito nos respectivos “livros de honra†que a escola católica, fazendo jus à sua honrosa tradição, deve ser escola de qualidade, séria, rigorosa, acolhedora, aberta a todos, sempre ao serviço da Igreja e da sociedade. Em nota de roda pé, os bispos apelam aos professores para cuidarem do seu testemunho cristão e da sua formação científica e aos trabalhadores não docentes para também cuidarem da sua formação, “pelo papel positivo que desempenham na comunidade educativaâ€; e aos directores, para providenciarem no sentido de esta formação ser regular, acessível e ministrada por pessoas competentes. Antes de sair da escola católica, os bispos deixam gravada uma mensagem afixada no hall de entrada a dizer o seguinte: “Todas as escolas católicas estão ao serviço da missão da Igreja e são chamadas, por isso, a assumir a sua missão evangelizadora. Todo o ambiente da escola, como comunidade educativa, deve estar impregnado dos valores cristãos e as actividades, curriculares e extracurriculares, ordenadas e iluminadas pela fé cristã em diálogo com a cultura e com a vida.†Como não poderia deixar de ser, os bispos ousam entrar nos gabinetes ministeriais, no parlamento, na casa do Presidente e dizem-lhes que são muito culpados do estado da nossa educação, pelas reformas avulsas e medidas desajustadas impostas, que só favorecem “o caos permanente e a insegurança nos profissionais docentes que trabalham nas escolasâ€. E mais: lembram-lhes que a escola privada também presta um serviço público de educação, devendo, por isso, ser tão apoiada como qualquer escola estatal; e também lhes lembram que a Constituição consigna a liberdade de aprender e ensinar, devendo caminhar-se afincadamente para que os pais tenham a possibilidade de escolher a escola – estatal ou não estatal – que preferem, sem condicionamentos. Ainda nos corredores do poder, os bispos exigem “muito mais ousadia e inovação aos diversos grupos políticos, pois sucessivos governos têm sido incapazes de encontrar um modelo de actuação de um estado regulador, articulado com um sistema onde reine a liberdade, a autonomia e a responsabilidade dos professores e dos actores sociais que com eles cooperamâ€. Finalmente, à saída do Ministério da Educação – e já sem tempo para visitar demoradamente as famílias (os pais, os avós, os encarregados de educação…) e co-responsabilizá-las por tamanha tarefa que lhes incumbe prioritariamente – os bispos decidem escrever uma Carta Pastoral sobre a Escola e a Educação Integral, deixando uma mensagem plena de esperança para todos e carregada de “vidaâ€: “Esperança no futuro porque se acredita que é urgente credibilizar as instituições educativas escolares, dignificar e conceder mais autonomia e responsabilidade ao trabalho dos profissionais docentes, melhorar os resultados escolares e criar ambientes mais estimuladores de um trabalho contínuo, exigente e de permanente revelação humana de todos e de cada um dos alunos, envolver mais os vários actores sociais de cada comunidade no investimento de uma educação de qualidade para todos e ao longo de toda a vida e com a vidaâ€. Tudo isto para que a escola cumpra a sua missão – “a formação integral e o desenvolvimento harmonioso das nossas crianças e jovensâ€. Jorge Cotovio, Coordenador do Núcleo das Escolas Católicas da Diocese de Coimbra


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