Dossier

Código do Trabalho e Igreja

Acácio F. Catarino
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Acácio Catarino afirma que há «coincidência nos princípios» mas pede que estes se «pratiquem regularmente»

A realidade laboral desdobra-se em, pelo menos, três grandes segmentos: o da pré-legalidade; o da legalidade; e o da ilegalidade. Na pré-legalidade funciona a luta pela subsistência, em economia formal ou informal, fugindo, em maior ou menor grau, ao cumprimento da legislação por falta de condições. Predomina aqui o trabalho por conta própria, com ou sem outros trabalhadores, proporcionando remunerações bastante modestas em geral. A economia de subsistência acha-se difundida por todo o país, e constitui um dos maiores dinamismos na luta contra a pobreza e por uma vida condigna. Apesar desta potencialidade, ela é denegrida pelos departamentos públicos, pelas organizações empresariais e sindicais e pela sociedade em geral; a rejeição baseia-se, especialmente, no não cumprimento da lei, na concorrência desleal, nos baixos salários e nas deficientes condições de trabalho. O segmento da legalidade é formado pelas empresas e outras entidades de pequena, média e grande dimensão, e seus trabalhadores, que actuam dentro do quadro legal, embora naturalmente com falhas diversas. O segmento da ilegalidade é formado pelas empresas e outras entidades, também de qualquer dimensão, e seus trabalhadores, que se furtam sistematicamente ao cumprimento da lei, sem razões aceitáveis. Uma parte deste segmento integra o mercado negro do trabalho e o mundo subterrâneo onde pontifica o crime. Ele é normalmente o grande vencedor das lutas sociais, na medida em que não é atingível, salvo uma ou outra excepção, e beneficia da entrada de quem opta pela ilegalidade para defesa de seus interesses ou por outros motivos. Perante esta realidade tão diversificada, o «Código do Trabalho» faz uma síntese dos princípios aplicáveis e das condições da sua aplicabilidade, e deixa uma larga margem para a negociação colectiva. Pode afirmar-se com relativa segurança que, ao nível dos princípios, existe uma coincidência muito significativa com a Doutrina Social da Igreja; o Código e esta Doutrina defendem a dignidade da pessoa humana, a conciliação do trabalho com a vida pessoal e familiar, a responsabilidade social da empresa e a prossecução do bem comum. Uma parte importante das normas incluídas no Código é objecto de consenso muito alargado, enquanto outra parte é objecto de fortes discordâncias entre organizações empresariais e sindicais, bem como entre forças políticas e outro grupos sociais. Discordâncias do mesmo teor sempre se registaram no passado, verificam-se na generalidade dos países, e tudo leva a admitir que se mantenham e renovem no futuro. Com efeito, o domínio laboral é um campo de excelência para a luta de classes e para a melhoria permanente das condições e relações laborais. Vem a propósito lembrar que «o trabalho (...) se encontra mesmo no centro da «questão social» (...)» (nº. 2 da encíclica «Laborem Exercens», de João Paulo II). No que se refere aos cristãos no mundo laboral e perante o «Código do Trabalho», não se deveria perder de vista que os trabalhadores, empresários e detentores do capital são pessoas a respeitar na sua dignidade e até na fraternidade comum (cf. «Laborem Exercens», nº. 14). Com este quadro de fundo, parece recomendável que trabalhadores, empresários e detentores do capital lutem pelos seus valores, direitos e interesses, sem espezinharem os de outrem ( Cf. «Compêndio da Doutrina Social da Igreja», nºs. 277 e 305-307). Parece também recomendável que todos se esforcem por cumprir a lei, fazê-la cumprir e aperfeiçoá-la. Igualmente se recomenda que, nas suas lutas, evitem prejudicar os estratos sociais vulneráveis, e que atribuam toda a prioridade ao espírito e à prática do diálogo social. Bom seria que, no próprio seio da Igreja, os trabalhadores, empresários e detentores do capital praticassem este diálogo, regularmente; desse modo, testemunhariam e aprofundariam a sua fé, intensificariam a fraternidade cristã e preparariam melhor a sua intervenção nas diferentes estruturas sindicais, empresariais, políticas ou outras. Dossier AE Trabalho (mais e melhor) em tempo de crise Ainda há lugar para o optimismo Desafios assumidos pelos trabalhadores


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