Dossier

Construir e santificar

Paulo Rocha
...

A Basílica da Santíssima Trindade é um projecto polémico, destinado a abrigar até 9000 pessoas. Em entrevista à Ecclesia, o Reitor do Santuário de Fátima diz que a construção vai para a frente unicamente por causa dos peregrinos.

Já chegam adolescentes e jovens do estrangeiro ao Santuário de Fátima para, no dia 20 de Fevereiro, celebrar a memória de Jacinta e Francisco Marto: as primeiras crianças a serem beatificadas na História da Igreja. Num futuro próximo, crianças e adultos terão um novo espaço para encontros litúrgicos e pastorais. Será na Basílica da Santíssima Trindade: um projecto polémico para abrigar até 9000 pessoas. Em entrevista à Ecclesia, o Reitor do Santuário de Fátima diz que a construção vai para a frente unicamente por causa dos peregrinos. Veneração a duas crianças Ecclesia – A Beatificação dos pasto-rinhos contribuiu para uma maior divulgação da mensagem de Fátima? Monsenhor Luciano Guerra – Com certeza. Há um refrescar da devoção a Nossa Senhora, uma vez que as crianças são beatas e podem ser veneradas pela Igreja. Alarga-se, assim o culto a Nossa Senhora de Fátima. E – Para quem alimentasse eventuais dúvidas sobre a santidade dos pastorinhos, a beatificação veio trazer certezas… LG – Isso é importante. A Santa Sé deu para este caso da vida das crianças um testemunho que não chegou a dar, formalmente, para as próprias aparições. E – Que iniciativas evidenciam, no Santuário, a veneração aos pastorinhos? LG – Sobretudo a oração diária. Nós imploramos e invocamos a protecção das crianças. Será por isso que eu, pessoalmente, não vejo muita urgência em que aqui se faça um templo aos pastorinhos, porque a todo o momento estamos a invocá-los (antes já o fazíamos, mas como protagonistas, agora como protectores nossos). E – Em Portugal e noutras partes do mundo, no entanto, surgem templos dedicados aos beatos? LG – Ainda agora recebi um fax da Espanha informando que se vai construir um templo aos pastorinhos perto de Pontevedra. Na Polónia, onde estive recentemente, vão construir uma Igreja aos Pastorinhos. O mesmo acontece em Itália. Entre nós, na paróquia de Alverca… Não há dúvida que as Igrejas vão-se multiplicando em louvor dos pastorinhos. E - Que consequências resultam dessa veneração? LG – Ao venerarmos os pastorinhos, toda uma pastoral de infância adquire relevo: a problemática da educação das crianças, das mães, das famílias… E – A Peregrinação das crianças, em cada 10 de Junho, fundamenta-se na preocupação por atender os mais novos? LG – Sim. Antes de mais, no entanto, reunir as crianças para louvarem Nossa Senhora (porque quando começou a Peregrinação das Crianças não havia veneração oficial aos pastorinhos). As crianças estiveram muito ligadas à Mensagem, uma vez que Nossa Senhora escolheu crianças para se revelar. Por isso, já antes, na década de 60, se tinha começado o trabalho de evangelização das crianças através da Mensagem de Fátima. E – Que passos estão a ser dados para a continuidade do processo de canoniza-ção? LG – O processo não está parado. Mesmo não sendo responsável, penso que estão a observar algum milagre que possa ser aprovado para a canonização. E eu espero que, realmente, dentro de algum tempo as crianças possam ser canonizadas. E – Como se assinala, no Santuário, a memória litúrgica de Jacinta e Francisco Marto? LG – É a paróquia de Fátima que constitui o núcleo fundamental dessa celebração. As crianças de toda paróquia (cerca de 1400) reúnem-se no adro da Igreja paroquial e vimos de lá, rezando o terço, até à capelinha, onde se celebra a eucaristia com a participação das crianças. Já temos também crianças, e sobretudo adultos, que vêm do estrangeiro para esta celebração. Diminuição de peregrinos E – Foi o próprio Santuário que informou a diminuição de peregrinos ao Santuário de Fátima no Ano de 2003, por comparação ao ano anterior. São dados significativos? LG – São. São 10 a 15% de peregrinos que vieram a menos a este Santuário. Penso que é um significado ao mesmo tempo relativo, uma vez que está relacionado com as possibilidades económicas das pessoas (e sabemos que estivemos em recessão). Também é de admitir que, pelo facto de as camadas jovens praticarem menos, esta afluência - que é sobretudo de terceira idade, embora Fátima ainda mantenha um equilíbrio bastante grande entre as idades – possa diminuir (assim como diminuiu a prática dominical). Refira-se também a tendência actual de um número significativo de pessoas não se comprometerem com a Igreja local e escolherem um certo anonimato num Santuário, como é o caso de Fátima. Há uma relação que, embora não sendo tão comprometida, não deixa de ser espiritual e religiosa. E – As próximas gerações desconhecerão as grandes afluências de peregrinos? LG – Nas próximas gerações não sei. Nas próximas décadas não creio que a diminuição seja sensível. O nosso povo gosta de peregrinar, de se reunir em assem-bleias grandes, não teme o anonimato de grandes assembleias. Eu penso que vamos continuar a ter grandes assembleias no Santuário de Fátima. E – É também notório o fenómeno da continuidade, ao longo de todo o ano, da afluência de peregrinos ao Santuário e não só por ocasião das grandes peregrinação… LG – Também é normal: é o efeito do automóvel, da auto-estrada, das férias, da reforma… Há uma conjunto de pessoas que está muito mais livre. É normal, portanto, que haja uma certa diluição dos grandes dias no dia a dia. Isso, aliás, é sadio para o acolhimento dos peregrinos. Nova Basílica E – O projecto da nova Basílica concretizou-se, sobretudo, por causa desse acolhimento aos peregrinos? LG – Só por causa dos peregrinos. Não foi a pensar noutra coisa. Nós não tivemos a intenção de, como João I, com o medo de perder uma batalha, fez um voto de construir um mosteiro, estivesse lá uma pessoa ou um milhão… E grandes templos, aí por essa Europa fora, foram construídos por voto, independentemente de necessidade pastoral. Aqui, a única razão que existiu desde o início é que há uma série de peregrinos que, não vindo para celebrações no exterior, não podem ser acolhidos na actual Basílica. Precisávamos, portanto, de um lugar de acolhimento maior que a Basílica. Se pudéssemos arranjar para 30 mil pessoas arranjávamos… Ainda começamos a pensar em 32 mil, aliás… depois fomos descendo até às 9 mil. Nós teremos esta nova igreja ocupada algumas centenas de vezes no ano na parte norte (com 3000 pessoas) e penso que aproximará de uma centena o uso, durante o ano, de toda a igreja. Há, por isso, uma parte que é indispensável, a primeira, a outra é muito conveniente. E – A actual Basílica quantos peregrinos comporta? LG – Nos bancos 600 pessoas, apertadas. De pé, com relativa comodidade, 400 pessoas. A partir de 1000 pessoas iremos, por isso, para o novo espaço. E – O projecto foi muito discutido, quando foi conhecido. Continua a ser contestado? LG – Continua. Há pessoas que até acham que é Deus que os inspira a escreverem. E escrevem-me com violência. Eu penso que, pelas sondagens que fizemos, haverá cerca de 10% de pessoas que são contra a construção da nova Basílica. Outras preferiam à volta da actual Basílica, com um arranjo que tentamos, mas que não foi possível. Creio que, se abordássemos os peregrinos em geral, não encontraríamos mais de 10% que, de facto, recusassem a construção de uma igreja nova. E – São do interior da Igreja Católica, também, as reacções negativas? LG – Na Igreja católica há franjas da extrema esquerda à extrema direita. Aí há sempre umas franjas que reagem contra… É normal! E – O argumento da solidariedade, de que o que se gasta nesta construção poderia beneficiar muitos necessitados… LG – Eu hoje diria o seguinte: se nós fizermos aqui uma pastoral de evange-lização, vamos tentar que as pessoas que vêm a Fátima – como temos tentado até agora – vivam com sobriedade (não digo com penitência). Se assim acontecer, elas pouparão em pouco tempo o dinheiro que vamos gastar na basílica. Refira-se também que este gasto tem uma parte útil imediatamente: fará funcionar fábricas que fornecem materiais, criará novos postos de trabalho… e tudo isso dá pão. Independentemente disso, poderíamos gastar mais directamente em benefícios sociais. Mas eu penso que uma igreja destas num Santuário pode ter essa vantagem: dizer às pessoas que não estraguem, porque hoje uma grande parte das pessoas estraga, mesmo em Portugal, porque têm dinheiro demais. Penso que talvez mais de 50% das pessoas, em Portugal, têm dinheiro de mais (porque já estragam). Se nós os ensinarmos e insistirmos (e a graça de Deus, sobretudo) a que não estraguem, nós poupamos o dinheiro da construção com muita facilidade e em muito pouco tempo. E – Será um argumento difícil de compreender a quem o lê…! LG – (Risos) Não sei… Eu insisto nisso: é importante afirmar aos cristãos que não devem gastar demais porque quando gastam demais estão a gastar o dinheiro dos pobres. E – E quando se gasta muito? LG – Não é quando se gasta muito, é quando se gasta demais! E – Neste caso não é gastar demais! LG – Eu penso que não é gastar demais. Eu penso que nós fazemos esta construção da maneira mais simples possível. E fomos austeros também (o que não quer dizer que, para gastar menos, vamos procurar materiais que em dois ou três anos se estragam). Tentamos que seja um edifício nobre, com dignidade, mas… esses aspectos são todos secundários: o fundamental é servir o peregrino na sua oração e na sua contemplação! E – Esse peregrino espera um bom ambiente para o acolher! LG – Até porque as pessoas estão cada vez mais escolarizadas, e portanto intele-ctualizadas, e vir aqui a uma missa e estar de pé, com frio ou com sol, impede a concentração. E – Não existirão agressões ambien-tais no espaço deste Santuário? LG – Claro. Mas é evidente que o espaço agora está livre e depois fica ocupado. Nós aqui colocamos a Basílica num sítio que pareceu, à maioria, o melhor. Ocupamos o espaço que temos. Fizemos o possível por construir um edifício baixinho (ele vai ficar mais ou menos à mesma altura das actuais colunatas), para que haja uma harmonia e uma convergência para a Basílica, desde o centro da capelinha. Mas é evidente: haverá depois quem goste muito, quem não goste nada… E – A decisão foi democrática? LG – Tanto quanto me era permitido fazer democracia dentro do Santuário! Inclusivamente, fiz um inquérito na Voz de Fátima (jornal com 120 mil exemplares). Nem creio que, na Igreja, tenha sido feita uma consulta deste tipo. Agora, como nas democracias, qualquer projecto é contestado… Projectos de um Reitor E – Os projectos para os próximos anos passam sobretudo pela construção deste templo? LG – Só, praticamente. E – Quer isso dizer que deixará a Reitoria estando construída a Basílica? LG – Isso depende da Divina Providência. Gostava também de organizar o “tocheiro†porque está ali um espectáculo que não é digno. O fogo [das velas a arder] é difícil de dominar. Estamos a ver se conseguimos. De resto não temos outras obras previstas. E – Já começou a construção da nova Basílica? LG – Já estão a fazer a vedação da obra. E – Previsões de conclusão? LG – Se Deus quiser, em 2007. E – A que se deve o atraso no início das obras? LG – A primeira vez que eu escrevi acerca disto [a construção de uma nova Basílica] foi num estudo de estruturação pastoral, em 1974 (há 30 anos), e nunca deixamos de trabalhar. O projecto, começamos há 5 anos. Nós tivemos o cuidado de não ter pressa nenhuma, mas não perder tempo, para que as coisas pudessem ser bem feitas. Agora, novidades aparecem sempre… Mas espero que consigamos, sem grandes surpresas.


Fátima