Dossier

Crise Financeira, Solidariedade Global e Desenvolvimento

João José Fernandes
...

A mensagem do Papa Bento XVI para o Dia Mundial da Paz é uma profunda reflexão e um apelo à acção, centrado no tema mais urgente do mundo actual: Combater a pobreza, construir a paz. A linguagem utilizada remete-nos para a necessidade de mudança de paradigma na acção dos decisores políticos mas também da acção dos cristãos no mundo. A pobreza é vista como uma causa que favorece ou agrava os conflitos; Bento XVI entende a pobreza numa multidimensionalidade: carências materiais, marginalização, pobreza relacional, moral e espiritual. Na primeira parte da sua mensagem, Bento XVI, fala-nos das implicações morais da pobreza, realçando os desafios demográficos, as pandemias como a malária, a tuberculose e o VIH/SIDA, a pobreza infantil e a relação existente entre desarmamento e progresso. A propósito da crise alimentar actual, Bento XVI, remete o fenómeno da fome e da pobreza para um enquadramento político, jurídico e económico: não se trata de falta de recursos, mas da necessidade de enfrentar os fenómenos especulativos e reajustar as instituições políticas e económicas de modo a garantir o acesso à alimentação e aos bens essenciais. Para Bento XVI, combater a pobreza implica uma análise atenta do fenómeno da globalização. Implica, além disso, "olhar os pobres bem cientes da perspectiva que todos somos participantes de um único projecto divino: chamados a constituir uma única família, na qual todos - indivíduos, povos e nações - regulem o seu comportamento segundo os princípios de fraternidade e responsabilidade." Esta afirmação é um apelo a uma mudança de paradigma: o desafio já não é primariamente a assistência social - marcada pelo princípio da caridade - mas a constituição de uma família global - o que requer um comportamento marcado pelos princípios da fraternidade e responsabilidade - e um código ético comum. Outro indício da mudança de paradigma na doutrina social da Igreja, de que é portadora a mensagem de Bento XVI, é a afirmação de que "a luta contra a pobreza requer uma cooperação nos planos económico e jurídico" em substituição de "políticas marcadamente assistencialistas". Para tal, é necessário promover uma cultura de participação e empreendedorismo, o que exige um investimento na formação das pessoas e o desenvolvimento de uma cultura específica da iniciativa. É neste contexto que deveremos compreender a centralidade ocupada pelos temas económicos (mercados financeiros e comércio internacional) na mensagem papal. A ênfase na luta contra a pobreza não é a "acção social", mas a "acção económica, política e jurídica". A luta contra a pobreza requer "uma cooperação nos planos económico e jurídico que permita à comunidade internacional, e especialmente aos países pobres, individuarem e actuarem soluções coordenadas para enfrentar os referidos problemas através de um quadro jurídico eficaz para a economia". Para "colocar os pobres em primeiro lugar" já não basta a caridade, é necessária "uma correcta lógica económica por parte dos agentes do mercado internacional, uma correcta lógica política por parte dos agentes institucionais e uma correcta lógica participativa de valorizar a sociedade civil local e internacional. Em resumo, a mensagem do Papa Bento XVI, suscita alguns desafios muito válidos para todos e cada um de nós, a saber: cooperação internacional; a necessidade de uma acção política que permita uma regulação económica e jurídica dos mercados financeiros e do comércio internacional; as sinergias entre Sector Privado, Sociedade Civil (Terceiro Sector) e Estados. Ao colocar a construção de uma globalização mais justa e fraterna (família global) como espaço próprio para a luta contra a pobreza, o Papa recorda-nos a urgência da cooperação internacional. Mesmo que Portugal atravesse um momento de crise económica, deveremos ter a consciência da responsabilidade que nos assiste como membro da Comunidade Internacional. Portugal comprometeu-se, no quadro institucional das Nações Unidas, da OCDE e da União Europeia, a afectar 0,33% Rendimento Nacional Bruto (RNB) para a Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) em 2006; 0,51% RNB para a APD em 2010 e 0,7% RNB em 2015. Contudo, estes montantes mínimos não têm sido efectivados. Ao realçar a importância da regulação económica e jurídica dos mercados financeiros e do comércio internacional, Bento XVI, vem juntar-se à voz de quantos reclamam a necessidade de promover regras mais justas no comércio internacional e uma regulação dos mercados financeiros. Finalmente, ao valorizar os princípios da responsabilidade, da participação e da cooperação trisectorial, Bento XVI, demonstra estar atento à urgência da construção de uma cidadania activa e global. Com efeito, a cooperação internacional e a luta contra a pobreza são uma responsabilidade de todos: Cidadãos, Estado, Organizações da Sociedade Civil e Sector Privado. Só com a contribuição de todos será possível construir a paz e o desenvolvimento. João José Fernandes, Director geral executivo da Oikos


Dia Mundial da Paz