Dossier

Cuidados com o corpo, abusos pela alma... efeitos no espírito

A. Silvio Couto
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Está a decorrer a semana europeia contra o cancro. Dada a incidência deste na população os responsáveis, em Portugal através da ‘Liga portuguesa contra o cancro’, estão a distribuir duzentos mil folhetos e milhares de cartazes com as propostas de um novo código europeu, envolvendo escolas, centros de saúde, centros comerciais ou estações de transportes públicos. As onze recomendações propostas esperam reduzir em 20% as mortes por esta doença, na Europa, até 2015, isto é, dentro de uma década. Só em Portugal há, anualmente, cinquenta e três mil novos casos de cancro. O novo código pretende sensibilizar para rasteio de três cancros específicos: o da mama, o do colo do útero e o do colo-rectal. De entre as propostas que o novo código apresenta, incluem-se conselhos sobre a questão do fumo, do consumo de álcool e de uma alimentação saudável. Vivemos numa época em que encontramos inúmeros indícios contraditórios no que à temática da vida – nas mais complexas vertentes, dimensões ou referências – dizem respeito: pessoas ansiosas por terem filhos enquanto se inventam pílulas (femininas ou masculinas) anti-concepcionais; campanhas em favor da assistência na saúde enquanto pululam propostas, intentonas ou propagandas pela morte assistida (vulgo eutanásia) ou perspectivas abortivas explícitas ou encobertas; publicidade a produtos de emagrecimento enquanto morrem de fome milhares de crianças (que nem têm uma refeição por dia!) nos continentes africano, latino-americano ou na Ásia. Há – e ainda bem – mais e novos cuidados com a saúde do corpo físico-biológico, pela manutenção, prevenção ou (mera) satisfação. No entanto, crescem múltiplas propostas de índole psíquica, onde se procura criar desafios, alguns de risco, em ordem a usufruir das capacidades que este tempo nos concede, sem restrições moralizantes ou eivadas de qualquer ‘obscurantismo’ religioso. Só que muitas vezes as doenças que se vêem na carcaça são reflexo de situações mais profundas do nosso ser: quando afluem à superfície, muitos dos estragos são ‘quase’ irreparáveis! Uma das conquistas mais salutares, sobretudo na cultura ocidental, foi o crescimento progressivo na média de longevidade. Hoje já estamos na barreira dos septuagenários/octogenários, em nítido contraste com aquilo que se vive ainda, pelos quarenta anos, nalguns países de África. Por outro lado, estamos tão longe do ‘sentido espiritual da vida’, como dizia um (dito) ‘crente não-cristão’ num debate televisivo recente. Quantas vezes certos cuidados com o corpo fazem parte dessa nova religião do hedonismo, mesmo sem qualquer filosofia de suporte, mas com um pragmatismo arrepiante. Quantas vezes certas doenças de índole psicológica deveriam ser levadas mais a sério, como denunciadoras de opções erradas, egoístas ou contra a natureza. Quantas vezes será necessário alimentar mais a nossa dimensão espiritual do que viver à superfície dos nossos desejos, impulsos ou tendências teístas mais profundos. Cuidemos do corpo, curemos a alma e equilibremos o espírito. A. Sílvio Couto


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