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Cuidados Paliativos: Humanismo que faz diferença

Sonia Neves
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Sónia Neves, Agência Ecclesia

Cuidados Paliativos: Humanismo que faz diferença

Sónia Neves, Agência Ecclesia (reportagem)

Os corredores do Hospital estão quentes e alguns doentes dão passos em chinelos silenciosos. No âmbito do dia mundial do doente a ECCLESIA foi ao Hospital do Mar, na Bobadela, em Lisboa, e conseguiu perceber como há tantos doentes que ali se sentem em casa: afinal, o hospital devia ser um sítio que dá saúde e qualidade de vida.

Frei Hermínio Araújo, sacerdote franciscano, é o capelão deste hospital. É ele que conhece aqueles corredores como ninguém e os preenche com o seu riso e boa disposição. Ali sente que cada doente tem de ter o seu espaço, a família ter um lugar privilegiado e, mesmo no sofrimento de cada doença, prolongada em muitos casos, dar valor à vida e ao bem-estar do ser humano.

Ele é um dos elementos da equipa de cuidados paliativos deste hospital. É com ele que percebemos que ninguém tem a dor do doente mas tem de se ter empatia com o doente, “trata-se de um modelo ético relacional, uma ética de cuidado e de compaixão e estes cuidados integram a espiritualidade como meio terapêutico”, afirmava o capelão.

Caminhamos a passo ritmado. As saudações acontecem com naturalidade, doentes e familiares, crentes e não crentes, todos identificam o padre de bata branca. “Todos me conhecem, porque tento estabelecer relação com todos. Não imponho a religião a ninguém e momentos de espiritualidade todos temos, como partilhar a vida, as experiências e os afectos…”, confessa Frei Hermínio denunciando o gosto pelo que faz.

É num quarto de luz apagada que se encontra D. Teresa, senhora de 71 anos, doente oncológica. Está no hospital do Mar há 2 anos e ali sente-se bem. “Gosto de cá estar e as visitas do Frei Hermínio são muito boas. Ele incute-nos sentimentos bons, é nele que vemos a representação de Cristo. E além disso é muito alegre!”, conta emocionada à ECCLESIA. Os terços estão pendurados na cama e junto à cabeceira está uma imagem do Menino Jesus. D. Teresa confessa mesmo que, “falo com ele todos os dias, é a minha companhia e conto-lhe tudo o que se passa”.

À conversa com Frei Hermínio percebemos que esta é uma doente paliativa, que tem de ser vigiada e controlada todos os dias devido ao problema de saúde, mas necessita de ganhar apreço pelo dia-a-dia e sentir-se mimada. O sacerdote franciscano dizia que “mesmo só, esta doente não se pode sentir sozinha, e a nossa responsabilidade é dar-lhe qualidade de vida a todos os níveis, social, psicológica e espiritual.”

Noutro corredor entramos num quarto preenchido por desenhos de criança, que tentam dar cor aos dias de uma avó que esqueceu o presente, a doença de Alzheimer chegou ainda cedo… Stella é a filha que a visita todos os dias. Há 4 anos que chegou ao Hospital do Mar e tinha a certeza que a mãe ia ser bem tratada. “É muito difícil ver a minha mãe desta forma. Ela não fala, não se mexe, pouco abre os olhos, nem sei se me conhece, mas tem de ser assim, dia após dia…”, afirmava à ECCLESIA, com as lágrimas a cair pelo rosto.

“Não só os doentes precisam de apoio… Mas as famílias precisam de força a cada hora para ultrapassar a situação e depois não ficarem mazelas para toda uma vida”, como nos explicava o capelão.

Do lado de fora do quarto ouvem-se dizer números… «vinte e nove»… «quarenta e cinco»… «sete»… em mesas redondas, vários doentes e duas funcionárias jogam ao loto. Podia ser um simples passatempo, mas Frei Hermínio explica tratar-se de um método terapêutico. “Numa zona de demência é essencial exercitar o cérebro e fazer os doentes pensar. Pequenos jogos como este fazem com que se sintam ocupados e não alheados de tudo, o que lhes pode adiar novas fases da doença. Aqui combina-se ciência e humanismo, chamam-se cuidados paliativos”.

E são os cuidados paliativos que dão qualidade de vida e conforto a muitos doentes do Hospital do Mar. Médicos, enfermeiros, psicólogos e um padre constituem uma equipa que, atenta a cada caso, humaniza o hospital e estabelece laços de afecto com doentes e familiares. É nesta cadeia de afectos que o dia mundial do doente se passa, com celebração de eucaristia e uns mimos especiais, colorindo dias que podiam apenas ser cinzentos…

Sónia Neves, Agência ECCLESIA



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