Dossier

Curar sem olhar a quem

Ir. Isabel Morgado
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O Instituto das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus, IPSS, tem como carisma e campo de acção a concretização da Doutrina Social da Igreja na missão de cuidar, reabilitar, integrar, essencialmente na área da Saúde Mental e Psiquiatria, mais concretamente no atendimento a doentes e/ou deficientes mentais. O paradigma mobilizador de toda a nossa intervenção são os gestos e atitudes de Jesus que, como divino samaritano da humanidade, passou pela terra fazendo o bem a todos e curando os doentes (cf Act 10,38). Como nos recorda Francesc Darder – “o Evangelho não se lê apenas para conhecer Jesus, estuda-se para melhor seguir Cristo; o Evangelho não são dados, mas vivência de misericórdiaâ€. Dois ícones são para nós essencialmente importantes, enquanto referenciais iluminadores de atitudes e de gestos muito concretos, no desenvolvimento da missão hospitaleira: a parábola do Bom Samaritano (Lc 10, 29-37) e o encontro de Jesus com o doente de Gerasa (Mc 5, 1-20). Ambos demonstrativos da mentalidade singularmente integradora de Jesus, do dinamismo de um coração infinitamente misericordioso e compassivo que o colocava em sintonia com o necessitado, o marginalizado... e que não era capaz de “passar ao largoâ€, e daí o convite que nos dirige – “Vai e faz tu também o mesmoâ€. Como é do conhecimento de todos, no tempo de Jesus os doentes mentais eram considerados endemoninhados, possuídos... Lidar com esta situação não era fácil. No entanto, Jesus atravessa o mar de todas as dificuldades e passa para o outro lado, onde se encontra a pessoa em sofrimento psíquico, aquele que está “foraâ€, que não tem lugar na sociedade. Jesus oferece-lhe uma cura integral, devolve-o de novo à vida, à convivência. Tira-o de um estado inumano, proporciona-lhe nova qualidade de vida. Enfim, reintegra-o no próprio ambiente, na sociedade – “Vai para tua casa, para junto dos teus, e conta-lhes tudo o que o Senhor fez por ti e como teve misericórdia de ti†(Mc 5, 19). É evidente, para nós, que ambas as narrações – quer a Parábola do Bom Samaritano, quer a Cura do Doente de Gerasa – oferecem-nos uma leitura e interpretação da nossa história fundacional e evolutiva, com uma particular incidência no hoje, e projectam-nos para o futuro. Como ontem os nossos fundadores, nós hoje, no aqui e agora da missão hospitaleira, sentimo-nos chamados e enviados – irmãs, colaboradores, familiares, voluntários e benfeitores – a incarnar essa mentalidade integradora e proactiva de Jesus que dialoga, cura, liberta e reintegra. Principais Desafios Face ao desenvolvimento do Centro (Clínica Psiquiátrica de S. José) e a um significativo número de colaboradores, um dos grandes e mais decisivos desafios prende-se com a transmissão do estilo e valores hospitaleiros, de modo que todos os intervenientes cresçamos como um organismo vivo, que se desenvolve numa mesma atmosfera – a identidade hospitaleira, o carisma que os fundadores nos legaram e que nós somos chamados a acolher, a incarnar, aprofundar e transmitir. Face às orientações actuais da Psi-quiatria e Saúde Mental, como resposta a necessidades do meio envolvente e exigência carismática, cabe-nos prosseguir na implementação de novos dispositivos de reabilitação psicossocial na comunidade e prossecução de um projecto articulado na área da gerontopsiquiatria. Estamos conscientes de que qualquer resultado ou ponto de chegada é apenas patamar e trampolim para prosseguir a escalada inerente ao modelo de atendimento integral – a oferta de um serviço cuidadosamente preparado, altamente qualificado e diligentemente prestado - como preconiza o Estatuto dos Centros Assistenciais Hospitaleiros. Assim, empenhamos e conjugamos esforços, conscientes de que a nossa forma concreta de anunciar o Evangelho é a própria vida hospitaleira, numa entrega abnegada, simples, alegre e generosa, pois é Jesus quem passa cada dia, em veste de peregrino, de pobre, de doente. Cabe-nos, portanto, testemunhar o actuar de um Deus acolhedor e sanador que se interessa apaixonadamente pelos membros mais débeis do seu povo, desafinado e vencendo todas as forças marginali-zadoras. Neste mundo complexo em que vivemos, queremos percorrer e sinalizar, ao jeito de Jesus e dos nossos fundadores, um caminho de vida solidária, oferecendo e envolvendo a todos nesta corrente de fraternidade universal, que não conhece raça, religião, ideologia ou classe social, mas a todos acolhe como irmãos. Irmã Isabel Morgado Dir. da Clínica Psiquiátrica de S. José


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