Dossier

Custo de vida e consumismo

Francisco Sarsfield Cabral
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Francisco Sarsfield Cabral, (Director de Informação da Rádio Renascença)

O custo de vida é cada vez maior? É verdade que os preços sobem – em Portugal aumentam hoje bastante menos do que há vinte anos, mas sobem. Importa, porém, lembrar que, às vezes, predomina a tendência inversa, a que leva os preços a baixarem. Os riscos dessa continuada descida dos preços, a deflação, não são menores do que os perigos de uma forte inflação. Basta lembrar a baixa geral de preços que se registou nos Estados Unidos durante a Grande Depressão dos anos 30. Hoje, existe deflação no Japão, um país em profunda e prolongada crise económica. E até há bem pouco, muita gente na Europa e na América receou que estivéssemos à beira de uma deflação. Parece, porém, que a inflação – embora baixa – continua a marcar as economias ocidentais. Há muitos factores que levam à inflação, como os economistas ensinam. Mas não é a subida dos preços que, por si só, torna mais pesado o custo de vida. Há que ter em conta os impostos que as pessoas pagam e, sobretudo, quanto ganham. Se e quando os salários sobem mais do que a inflação, e isso tem acontecido em anos passados entre nós, o poder de compra das pessoas e das famílias melhora. Mas a questão do custo de vida não tem a ver apenas com o poder de compra: depende muito daquilo que as pessoas acham necessário comprar. Necessidades novas E aí há, como é óbvio, uma enorme evolução. Há trinta ou quarenta anos os automóveis não vinham equipados com ar condicionado. Agora, poucos estariam dispostos a comprar um carro novo sem ar condicionado. Nessa altura não havia telemóveis, logo ninguém sentia necessidade deles; hoje, é o que se sabe. E por aí fora. Ou seja, as pessoas precisam agora de mais dinheiro porque sentem ser indispensável adquirir mais coisas, sem as quais se sentiriam muito infelizes. E aqui entra o problema do consumismo, que (ironia das ironias!) assume a sua máxima expressão nesta época de Natal. Julgo que o tema deve ser abordado com cuidado, para não se cair em demagogias baratas – como acontece quando aqueles a quem nada falta criticam os que, tendo sido muito pobres, já manifestam vontade de possuir automóvel, por exemplo. As necessidades das pessoas não são sempre as mesmas, como vimos – vão variando, e aumentando, no tempo. É uma consequência do próprio desenvolvimento económico. É uma relativa novidade na história do mundo: não tem muito mais de três séculos.   Antes da revolução industrial, quem nascia pobre morria em regra pobre. A sociedade, com as suas rígidas regras sobre a posição social de cada um, e a economia, com um fraco ou nulo crescimento, eram então estáticas. Tudo isso mudou e ainda bem. No mundo moderno, as pessoas, os países, as sociedades aspiram a melhorar de nível de vida. Quem é pobre procura ser menos pobre e tem uma razoável esperança de o conseguir. Por isso, aqueles parcos recursos económicos que deixariam satisfeita uma família do tempo de Jesus, há dois mil anos (ou, se quisermos, muitos habitantes da Ãfrica de hoje), seriam agora considerados totalmente insuficientes pela maioria dos que vivem no mundo desenvolvido. É natural e positivo. Pressão sobre o consumo Mas é inegável existir uma excessiva pressão no sentido de comprar – é o consumismo. A publicidade movimenta biliões e procura levar-nos a sentir como necessário aquilo que porventura o não é tanto. Os “mediaâ€, da televisão às revistas do “jet setâ€, apontam como ideal de vida uma existência abastada, com todas os luxos e comodidades. Os bens possuídos – o carro, a casa, etc. – são símbolos de “ranking†social. E, aí, não conta apenas aquilo que se tem: conta, sobretudo, a comparação com o que tem o vizinho ou o amigo. E, depois, o consumo surge para muitos como uma compensação psicológica: para esquecer a falta de outros valores, a ausência de realização pessoal ou profissional, o isolamento e a solidão numa sociedade individualista, etc., o “remédio†fácil (para quem tenha para tal, recursos) é comprar coisas. Tanto mais que a compra proporciona uma gratificação imediata, nesta época de falta de tempo em que andamos todos a correr e ninguém quer esperar. Todos estes factores jogam no sentido de mais consumo, mais compras. E como o dinheiro nem sempre chega para tais solicitações, muita gente sente-se hoje pobre, embora viva talvez melhor do que um aristocrata do século XV.  Por isso, o consumismo – no que ele tem de negativo – é um dos grandes responsáveis pela sensação generalizada de que o custo de vida é incomportável. O consumismo, não o consumo, deve ser combatido. Sem hipocrisia (do tipo: os outros, que antes eram pobres, é que são consumistas...) e sem primarismos ideológicos, como os que atribuem à publicidade poderes ilimitados na lavagem dos nossos cérebros, fazendo das pessoas meros “cãezinhos de Pavlovâ€. Mas um pouco mais de sobriedade aquisitiva, da parte dos que não são mesmo pobres, contribuiria certamente para aumentar a felicidade nas nossas sociedades.  Francisco Sarsfield Cabral, (Director de Informação da Rádio Renascença)


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