Dossier

Desafios à sociedade portuguesa

Agência Ecclesia
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A publicação da carta encíclica “Deus Caritas est” (Deus é Amor), de Bento XVI, é um desafio à reflexão sobre o papel dos católicos na sociedade e na política portuguesas, espaço de construção da “ordem justa” de que o Papa fala ao relacionar os conceitos de caridade e justiça. Guilherme d’Oliveira Martins, presidente do Centro de Reflexão Cristã, fala num documento “promissor”, por reflectir “num tema crucial, no mundo contemporâneo, que é o lugar do outro”. Essa compreensão, assegura, levará as pessoas a “encarar a questão da solidariedade, da caridade e da justiça”. Este responsável refere que os católicos são convidados a assumir e de preparar o “face a face”, de que fala S. Paulo, e que transforma a terceira virtude teologal, a caridade, a “relação com o outro”, em primeira, de que a fé e a esperança são subsidiárias. José Manuel Pureza, antigo membro da Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP), considera que estamos perante “um texto muito estimulante e que procurar centrar a reflexão cristã em torno de um núcleo essencial – a questão do amor – na sua densidade máxima”. “Toma uma posição muito rigorosa sobre aquilo que deve ser o essencial do trabalho da Igreja, quando faz uma tentativa de relacionamento correcto entre justiça e amor”, aponta. Guilherme d’Oliveira Martins considera que esta encíclica vem “actualizar e aprofundar”, em muitos domínios, os ensinamentos e preocupações do II Concílio do Vaticano, sobretudo no que se refere “à ligação entre o conceito de amor e de justiça, a qual não pode estar desligada do desenvolvimento e da promoção humana”. Já José Manuel Pureza adianta que a segunda parte do documento “terá mais ecos no trabalho eclesial do que primeira”. “A mensagem essencial da segunda parte é que mesmo nas sociedades mais justas a caridade faz sempre falta. Bento XVI coloca a questão de uma maneira muito acertada: haverá sempre lugar a situações humanas que carecem de ajuda, de apoio e, sobretudo, de formação do coração”, explica este especialista em relações internacionais. Magistério moral Muito destacada na comunicação social tem sido a afirmação de Bento XVI sobre a não interferência da Igreja na Política, frisando que esta “não pode ser encargo imediato da Igreja". Guilherme d’Oliveira Martins, com uma vasta experiência política ele próprio, defende a necessidade de uma “leitura mais atenta” sobre estas afirmações, precisando que “a essência do fenómeno político prende-se com a própria dignidade humana”. “Não cabe à Igreja definir receitas para as soluções políticas, sociais ou económicas, mas cabe-lhe, isso sim, o magistério moral, que suscita, no dia-a-dia, soluções que vão ao encontro das pessoas, da liberdade e da justiça”, aponta. José Manuel Pureza frisa, também, que “esta encíclica não pode ser vista como um texto de análise sociológica”. “Coloca desafios porque a Igreja tem consigo uma tradição de empenhamento social que lhe dá autoridade para afirmar que a luta pelo bem comum não é quixotesca de meia dúzia de pessoas”, indica. Ambas as opiniões concordam que o patamar de exigência que este texto coloca é muito alto e “obriga a reflectir sobre as desigualdades, sobre todas as formas de dominação e de desrespeito pela dignidade humana”, como observa Oliveira Martins. “A caridade não é um amortecedor das consciências e não é um substitutivo da justiça, mas um complemento desta mesma justiça”, aponta José Manuel Pureza, para quem este é um “texto que auspicia coisas boas e não se fecha na defesa conservadora de uma doutrina”.


Bento XVI