Dossier

Desvendando a campanha do ‘passa factura’...

A. Silvio Couto
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Anda agora na publicidade uma campanha que tem tanto de inovador quanto de esquisito: «impostos – quando todos pagam, todos pagam menos» , situando o objectivo: «Com factura, o seu dinheiro vai para onde deve ir». Em letras mais miudinhas esclarece-se a utilidade desta campanha do Ministério das Finanças: «Para seu bem e para bem de todos, lembre-se: facturas todos temos o dever de pedir e a obrigação de dar. A começar por si». Para os mais cépticos este tipo de iniciativas não vai dar em nada, pois quem foge aos impostos até sabe fazê-lo e tem a conivência de amigos, fregueses e clientes, pois andam todos ao mesmo: pagar o menos possível ou só o indispensável para não gerar desconfiança! Para outros poderá ser o acordar para uma realidade um tanto subterrânea, mas que o nosso ‘chico-espertismo’ nacional vai alimentando com favores, descontos ou uns pós de aparente mais barato. Outros ainda poderão questionar-se sobre a possibilidade de entrar neste jogo de pseudo justiça pública, embora desmentida pelos pecados privados ou, pelo menos, mais publicitados. Quem vai participar nesta onda de ‘Robin dos Bosques’ à portuguesa, se os mais ricos são os que mais fogem – de forma directa ou indirecta – à investigação, transparência e contribuição fiscais? Quem tem sensibilidade à honestidade? Como enfrentar as tentações de acreditar nas benfeitorias desta campanha? Será que o Estado está a dar o exemplo? A carta pastoral da Conferência Episcopal Portuguesa, de finais de Setembro último, intitulada «Responsabilidade solidária pelo bem comum» enumerava, no número quatro, os sete pecados sociais ao nível do nosso país, entre os quais dizia: «A desarmonia do sistema fiscal, que sobrecarrega um grupo, e pode facilitar a irresponsabilidade no cumprimento das justas obrigações». Na explicação posterior (n.º 22) da mesma carta pastoral da CEP refere-se que «o Estado tem direito aos impostos e o dever de os gastar bem, com parcimónia e prudência, assumindo assim uma atitude responsável perante os dinheiros públicos. São dinheiros dos cidadãos, ganhos com esforço e pagos com dor. A espiral de despesa a que se tem assistido nas últimas décadas manifesta uma cultura de despesismo e facilidade, altamente lesiva do bem comum dos cidadãos». Será que os católicos vêem esta campanha estatal nesta linha de doutrina dos Bispos portugueses para as questões sociais? Estaremos todos capazes de interpretar a linguagem dos bispos na linha – genuína, sensata e audaz – do que nos pede o Ministério das Finanças? Mesmo que nos doa devemos questionar: os recibos que passamos – ao nível das coisas da Igreja – serão mesmos reais? Usamos de justiça para os outros como a pregamos? Temos, de verdade, o ‘culto’ do bem comum mais do que da mera doutrina social, que propomos? Está na hora de viver na sinceridade dos filhos da luz e não na subtileza dos filhos das trevas! A. Sílvio Couto


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