É reconfortante, animador e incentivo acolher a orientação de Bento XVI para a pastoral social que intentamos nas diversas comunidades cristãs espalhadas pelo território português. A Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2009 reúne uma riqueza de perspectivas que terá muitos fios condutores para reforçar e inspirar atitudes pastorais neste campo vasto da acção social da Igreja. Vou deter-me em três tópicos.
1. Importa que tenhamos da realidade presente uma análise atenta porque os fenómenos inerentes à globalização são ambivalentes e complexos. Qualquer visão simplista não entra na engrenagem muito articulada e não percebe o sistema amplo das movimentações financeiras, económicas, comerciais.
O combate à pobreza, na sua complexidade, tem merecido da nossa Comissão Nacional Justiça e Paz uma reflexão profunda, lúcida e capaz de escutar os pobres. A defesa do direito a não ser pobre, como fazendo parte dos direitos humanos, foi um avanço. A ideia necessita de lavrar as mentes para crescer nas decisões políticas e nos gestos dos cidadãos.
Multiplicar nas dioceses, nas comunidades paroquiais e nos movimentos grupos de reflexão criadores de nova mentalidade, à luz da Doutrina social da Igreja, é corresponder ao presente complexo com respostas adequadas, inovadoras e firmes, porque ancoradas numa visão do ser humano, pautada pela liberdade, pela verdade, pela justiça e não dominada por interesses particulares que fazem tábua rasa à sua volta. Só uma solidariedade global e criativa ou uma globalização da caridade, como lhe chamou a nossa Cáritas, poderá ter em vista “os interesses da grande família humana”.
Aliás, aponta certeiro o Papa: “a própria crise recente demonstra como a actividade financeira seja às vezes guiada por lógicas puramente auto-referenciais e desprovidas de consideração pelo bem comum a longo prazo”. A globalidade não pode estender-se apenas na geografia, mas também no tempo. Soluções imediatas revelam “a avidez e a estreiteza de horizontes”.
2. Somos sensíveis ao alargamento que Bento XVI faz da concepção da pobreza, bem como à identificação da raiz de todas as formas que assume na sociedade do nosso tempo: “Seja como for, não restam dúvidas de que toda a forma de pobreza imposta tem, na sua raiz, a falta de respeito pela dignidade transcendente da pessoa humana.” Há realmente diversos rostos da pobreza para além da resultante de carências materiais: fenómenos de marginalização, pobreza relacional, moral e espiritual, impedimentos culturais. Mas o que desencadeia “dinâmicas perversas da pobreza” tem uma raiz comum. A desorientação interior ou a fome, a ausência de ternura ou a corrupção moral assentam na indignidade com que se trata o ser humano, sem respeitar um humanismo integral e aberto à transcendência.
As instituições sociais da Igreja são chamadas a atender a esta amplitude de pobrezas. Para as combater estarão bem conscientes da raiz dos males e sem nenhum medo de afirmarem com clareza e sua identidade, a diferença da sua proposta. A “corajosa autocrítica” de que fala a Mensagem papal implica um questionamento profundo das nossas instituições para cada vez melhor servirem todos os pobres.
3. Há uma pergunta essencial que o Papa nos lança: “sente cada um de nós, no íntimo da consciência, o apelo a dar a própria contribuição para o bem comum e a paz social?”
Não poderemos estranhar fenómenos de guerrilha urbana que aqui e acolá já rebentam, não podemos ficar surpreendidos por guerras e conflitos quando lançamos as “perigosas premissas”.
Ninguém se pode considerar isento ou imune. Ao prepararmos a Semana Social de 2009, em Aveiro, de 20 a 22 de Novembro, queremos educar para a responsabilidade de cada cidadão no processo do combate à pobreza e na consequente construção da paz. A Mensagem é clara: “a sociedade civil assume um papel crucial em todo o processo de desenvolvimento, já que este é essencialmente um fenómeno cultural e a cultura nasce e se desenvolve nos diversos âmbitos da vida civil”. Não basta mais uma perspectiva assistencialista, uma dependência de subsídios, um atirar para outros as responsabilidades. Urge concretizar uma “correcta lógica participativa”.
Todas as acções de pedagogia social que sejam aptas e eficazes na promoção de “uma cultura da legalidade”, na formação de pessoas marcadas por uma “cultura específica da iniciativa”, de empreendedorismo constituirão base de um projecto com efeitos a médio e longo prazo. O impulso a alterar «os estilos de vida, os modelos de produção e de consumo, as estruturas consolidadas de poder que hoje regem as sociedades» nasce em cada pessoa, parte de dentro das consciências trabalhadas por uma evangelização séria.
Bem nos convida Bento XVI: “a luta contra a pobreza precisa de homens e mulheres que vivam profundamente a fraternidade e sejam capazes de acompanhar pessoas, famílias e comunidades por percursos de autêntico progresso humano.”
D. Carlos A. Moreira Azevedo, Presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social