João César das Neves diz que é preciso recuar alguns milénios e entender as forças que governam a população mundial, hoje numa nova fase
O mundo está a entrar numa nova fase demográfica. Para o compreender tem de se recuar alguns milénios e entender as forças que governam a população mundial.
Nos primórdios do homem na Terra, o Paleolítico, as pessoas tinham uma existência grosseira e rude, sobrevivendo pela caça de animais e recolha de frutos. A população humana era reduzida e existia o perigo da extinção da espécie. Este período terminou há cerca de 12 mil anos, com a chamada «revolução do Neolítico» ou «agrícola», iniciada cerca de 10 mil anos antes de Cristo no Médio Oriente. Essa revolução significou o domínio da energia biológica. Ao domesticar os vegetais pela agricultura e os animais através do pastoreio, o ser humano melhorou fortemente o seu nível de vida. Apareceram as povoações sedimentares e nasceram as cidades e civilizações. Graças a essa revolução a população mundial entrou numa trajectória crescente que, em termos muito genéricos, se pode dizer que dobrava o número aproximadamente em cada mil anos.
A fase agrícola, que ainda domina a maior parte do planeta, foi perturbada, nos finais do século XVIII na Europa pela “revolução industrial” e com ela o desenvolvimento económico. Esta segunda revolução tecnológica significou, antes de mais, o domínio pelo homem de outras energias, para além das biológicas: vapor, electricidade, solar, química, electrónica, atómica, biotecnológica, etc. Começou assim o aumento sustentado no nível de vida da generalidade da população das zonas em progresso.
Esta transformação alterou a dinâmica da população, acelerando-a fortemente. Demorou desde o início dos tempos até cerca do ano 1800 para a humanidade atingir o número de 1000 milhões de pessoas vivas. Mas esse número passou para o dobro em 130 anos, pouco depois de 1930, quando a população mundial atingiu os 2 mil milhões de pessoas, e voltou a duplicar em apenas 44 anos, até 1974 quando atingiu os 4 mil milhões de pessoas. Actualmente anda um pouco acima dos 6 mil milhões de pessoas.
O crescimento da população dos últimos dois séculos foi gerado pelo principal efeito do desenvolvimento económico, a incrível melhoria das condições de vida. A causa imediata desse aumento situa-se, não num aumento da taxa de natalidade, mas numa redução da taxa de mortalidade nas idades mais baixas por ganhos na alimentação, saúde, higiene, etc. Assim se aumentou a dimensão da vida e se deu o chamado «envelhecimento da população».
No entanto, esta explosão não é incontrolada, porque mais tarde, numa fase avançada do processo, verifica-se um segundo fenómeno. Os efeitos económicos e culturais do desenvolvimento tendem a reduzir a dimensão das famílias, reduzindo então a taxa de natalidade. Vários aspectos jogam neste sentido. Na sociedade tradicional da fase agrícola, os filhos eram, sobretudo, vistos como um par de braços útil, na lavoura ou na defesa da família. Ter muitos filhos era considerado uma benção. Na fase industrial, tendem a deixar de o ser. Os custos de ter um filho na sociedade industrial sobem fortemente por razões que vão da educação à dimensão do apartamento. A alteração do papel da mulher na sociedade e no mercado de trabalho, bem como a redução urbana da família ao núcleo essencial (pais e filhos), têm forte influência na dimensão da família e, portanto, na taxa de natalidade. Todas estas são mudanças carregadas de efeitos sociais, culturais, morais e psicológicos de largo alcance. São elas que transformam a atitude perante a fertilidade na sociedade industrial.
O efeito demográfico desta descida da taxa de natalidade é a compensação da anterior descida da mortalidade, e a retoma do equilíbrio da população. Em alguns países ricos chegou mesmo a criar uma recessão da população, sobretudo no Japão, Rússia e Europa Ocidental, zonas em forte decadência demográfica.
Não se sabe se é um problema temporário ou permanente, mas o equilíbrio populacional está alterado. Assim, a referida explosão da população, verificada nos países no início do seu desenvolvimento, deve-se a um desfasamento: primeiro cai a taxa de mortalidade; depois a de natalidade. Por causa do desenvolvimento, a taxa de crescimento da população começa por subir e depois desce. No período intermédio dá-se a expansão da população.
No século XX a população mundial quase quadruplicou, de 1600 para 6000 milhões de pessoas. Neste século deve subir mais 2000 milhões de pessoas. O nível de 8000 milhões que o mundo atingirá daqui a cerca de 100 anos, será mesmo um patamar. As extrapolações prevêem que esse valor se deve manter a partir daí no horizonte previsível, devido à reduzida fertilidade.
João César das Neves