Dossier

Dioceses novas e novas dioceses

D. António Marcelino
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A comemoração dos 30 anos das novas Dioceses de Santarém e Setúbal, dão-nos ensejo a uma reflexão serena sobre a natureza eclesial de uma diocese e a razão da sua criação. A Diocese é, primariamente, uma “Igreja particular na qual e da qual existe a una e única Igreja Católica†(cn.368). Pode assim definir-se, como o faz o Vaticano II (CD 11), assumido textualmente no cn. 369, como “ A porção do Povo de Deus que é confiada ao Bispo para ser apascentada com a cooperação do presbitério, de tal modo que, aderindo ao seu pastor e por este congregada no Espírito Santo, mediante o Evangelho e a Eucaristia, constitua a Igreja parti-cular,onde verdadeiramente se encontra e actua a Igreja de Cristo una, santa , católica e apostólica.†Terá uma delimitação territorial e será dividida em paróquias, as quais têm a sua existência eclesial na Diocese, a que preside o Bispo, sinal e promotor da unidade e da comunhão. No século XX a geografia eclesiástica de Portugal teve alterações significativas. Nasceram as novas dioceses de Vila Real (1922), Santarém e Setúbal (1975), Viana do Castelo (1977). Foram restauradas as dioceses de Leiria( 1918), extinta em 1882, e de Aveiro (1938), extinta em 1881. A Diocese Cas-trense, criada em 1966, adquire autonomia, em 2001, com um bispo próprio. Ainda houve alteração nos nomes de Portalegre para Portalegre - Castelo Branco (1956) e de Leiria para Leiria-Fátima (1984). Bragança, depois de muitas vicissitudes históricas, em 1980 voltou a ser Bragança - Miranda. A necessidade de criar e de restaurar as novas dioceses, se teve algum bairrismo a promover a decisão de Roma, foi também fruto da lucidez de quem viu que a Igreja cresceria e responderia melhor à sua missão. Em alguns casos as coisas fizeram-se com sofrimento, com reacção menos cristã por parte das dioce-ses que perderiam paróquias, com intervenções pelo meio que, depressa, se viram como negativas e menos razoáveis. Um dia, quando a história se fizer, poderá ver-se que, no processo, nem tudo foi edificante e limpo. Hoje, porém, uma correcta informação da realidade actual, vista em comparação com o ponto de partida, permite reconhecer que a criação das novas dioceses foi altamente positiva e permitiu um renovação pastoral e apostólica, que não se conseguiria de outra maneira. O crescimento demográfico veio também a confirmar a justeza da medida, e a dimensão humana de todas estas dioceses, médias no seu tamanho e população, mostrou que o caminho estava certo. O despovoamento do interior do país afectou agora todas as dioceses que aí se situam, algumas a enfrentar no momento presente, problemas que não se previam décadas atrás, mas que, apesar de tudo, são enfrentados com outro espírito e dedicação. As grandes dioceses da Europa, Roma, Paris, Madrid, Milão, Barcelona, tentaram ganhar uma dimensão mais humana e deram origem a diversas dioceses à sua volta. Apesar de o crescimento demográfico actual esteja trazendo novos problemas, ninguém, passados anos, ousa dizer que não tenha sido bem a criação das novas dioceses, operada há anos. As razões que, durante anos, se davam para não se enveredar por esse caminho, entre outras menos significativas, era a dificuldade de se ter seminário maior, tribunal diocesano, cabido de cónegos. Hoje, nada disto tem sentido, pois os seminários maiores deram lugar aos centros de estudos teológicos que servem várias dioceses. O mesmo com os tribunais. As dioceses podem recorrer a outras dioceses, para as questões de primeira instância. Os colégios dos consultores diocesanos vieram a substituir, em vários aspectos com vantagens, por via de uma renovação cíclica, os tradicionais cabidos. Aliás, em muitas dioceses, como acontece com as que foram criadas ou restauradas no século passado, não existe cabido capitular, nem se sente a sua necessidade. Justificam-se dioceses novas em Portugal? Este problema foi tabu durante muitos anos. Hoje não o é, mas também não tem constituído problema que motive a Conferência Episcopal a pensar na renovação das suas estruturas territoriais. Porém, a revisão cíclica das estruturas pastorais é uma exigência da renovação, que se pode iludir. Muito menos hoje, como é óbvio. Novas dioceses não são o caminho obrigatório, mas há que provar que daí não viria nenhuma vantagem para a Igreja e a sua missão neste mundo concreto. O que de novo se nos põe como exigência do espírito conciliar, é que as dioceses não têm que nascer a partir de grupos de base, mais ou menos eivados de bairrismo, mas sim dos responsáveis das Igrejas, sensíveis ao maior bem do Povo de Deus, que façam o possível para que o bispo esteja mais conhecido e próximo, o governo diocesano não se faça por intermediários, o centro da sua igreja diocesana seja acessível, os padres tenham uma relação normal e próxima com o seu bispo, a realidade humana, social e religiosa, esteja ao alcance de uma reflexão alargada e consequente e de uma planificação exequível, os leigos, de qualquer ponto da Diocese, sejam conhecidos e apreciados nas suas necessidades e capacidades. Os sucedâneos de solução para as grandes dioceses, que se vão forçando e a que é fácil recorrer, não têm, a meu ver e segundo a minha experiência pessoal, nem raiz consistente, nem grande futuro. O que fazem, em muitos casos, os bispos auxiliares, podem fazê-lo os vigários episcopais. Não teríamos bispos que parece não o serem em sentido pleno, nem desequilíbrios numéricos, de que se parece agora ter medo, em relação aos eméritos e auxiliares, frente aos bispos diocesanos. Novas dioceses em Portugal? Nunca será determinante uma opinião isolada, porque o problema tem a ver com uma reflexão alargada e deve obedecer a critérios estritamente pastorais. Ninguém na Igreja é dono de nada, nem de minguem. O espírito de serviço traduz-se na preocupação de, por todos os meios, fazer com que a Igreja seja sinal e instrumento de salvação e de comunhão para todos, e o bispo seja, efectivamente, um irmão próximo, capaz, por si, de relações fraternas e estimulantes. Nunca se deverá ver este problema, como se fez em tempos, a partir do que pode perder a diocese grande que se divide, mas sim a partir da nova porção do Povo de Deus, a que se permite fazer uma experiência eclesial, válida, verdadeira e consequente. António Marcelino Bispo de Aveiro


Diocese de Santarém