Dividir para reinar
A fórmula da “divisão” afirma-se, cada vez mais, como fórmula de sucesso. De facto, desde a escola primária ou do primeiro ciclo do ensino básico que a expressão escrita ou oral dos resultados certos das contas de dividir merece um “muito bem” por parte dos mestres e/ou modelos sociais qualificados para tal. Depois, crescemos e quase como um acto reflexo, executamos a operação da “divisão” sem quaisquer problemas matemáticos. No entanto, quando pensamos nos objectivos de certas “divisões” para além das de mero carácter escolar ou numérico, os resultados surgem menos claros e marcados com o selo do “dividir para reinar”.
Vem isto a propósito das contas que a nossa política, e não só, vão fazendo por aí. Reparo que nós, os portugueses, andamos “divididos”, questionando valores e fundamentos assumidos, em nome de supostos movimentos de vanguarda e de defesa dos direitos humanos mais básicos. Mas também reparo que essa “divisão” é pouco ou nada inocente, dependendo de um olhar mais ou menos atento aos seus propósitos régios de perpetuação do poder nas mãos de uns poucos autoproclamados de progressistas, visionários e vanguardistas.
A lei do aborto e a lei do reconhecimento do casamento contraído por pessoas do mesmo sexo, nas circunstâncias em que ambas aconteceram, são dois claros exemplos dessas contas de “divisão”. “Dividir” os portugueses permite criar empatia de uns poucos e indiferença de uns muitos para se manterem certos reinos e reinados políticos e ideológicos.
E tudo isto vai acontecendo de uma forma aparentemente democrática, seja através de um referendo que, num primeiro momento, face à sua taxa de abstenção, não tinha qualquer valor e, depois, num segundo momento, em circunstâncias muito idênticas, se torna em vontade e lei inequívoca, seja através de uma lei que nem a referendo se sujeitou, em nome de uma pretensa representatividade parlamentar que está longe de representar, de forma democraticamente lúcida, seja quem for.
É por essas e por outras, onde também podemos incluir o drama das questões sociais e do fosso de rendimentos entre os mais ricos e os mais pobres do nosso país, envolvidos em políticas públicas paliativas, que “dividir para reinar” é o lema não assumido publicamente mas real de uma gama de políticos, e não só, que teimam em manter-se no “top(o)”.
Ainda quero acreditar que o “reinar” desta expressão possa significar “Servir”, enquanto grito vital proclamado por Jesus Cristo e pelos seus seguidores, apesar de concretizado, plenamente, por Aquele e, parcamente, por estes. “Dividir para reinar”, eis o lema. Mas…qual deles?...
paulo.neves@caritas.pt
Solidariedade