Dossier

Dizer a vida

Mary Anne d’Avillez
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Vivemos uma época em que se fala muito na vida: no início da vida, em manipulação genética, em células estaminais e sabemos que se prepara legislação sobre a reprodução humana medicamente assistida. Pode ser difícil por vezes discernir aquilo que é ética e moralmente aceitável quando não existe uma formação de base em biologia. Procuramos aqui esclarecer, de uma forma muito simpli-ficada, mas cientificamente correcta, aquilo que é o início da vida. A vida de um novo ser humano começa com o encontro de um espermatozóide e um óvulo, que são as células sexuais (gâmetas) masculina e feminina. Os espermatozóides são produzidos nos testículos do homem. A partir da puberdade, entre os 12 e os 16 anos, estimulados por substâncias químicas (hormonas) produzidas no cérebro, os testículos começam a segregar testosterona, que leva à produção de espermatozóides. Cada ejacula-ção tem um volume médio de 3,5cc de líquido seminal que contém cerca de 120 milhões de espermatozóides. O esperma-tozóide só atinge a sua maturidade total dentro do corpo da mulher, como verão a seguir. O núcleo do espermatozóide contém 23 cromossomas (o cromossoma é uma estrutura composta por genes). Os órgãos reprodutores principais da mulher são os ovários. Quando uma rapariga nasce os seus ovários já contêm, em forma imatura, todos os folículos (estrutura que contém o óvulo) que ela vai utilizar durante a sua vida reprodutora. Entre os 10 e os 16 anos uma glândula “mestra” no cérebro, a hipófise, começa a segregar hormonas que estimulam os ovários e iniciam-se os ciclos menstruais. Basicamente cada ciclo é uma preparação para uma possível gravidez que, a maior parte das vezes, não acontece. Ao contrário daquilo que acontece com o homem, em que os níveis hormonais se mantêm sempre estáveis, na mulher, em idade fértil, existe um “diálogo” constante entre a hipófise e os ovários e entre estes e o útero. O útero é o “saco” onde o bebé se desenvolve durante a gravidez. Tem a forma de uma pêra com a parte mais larga (corpo) para cima e a parte mais estreita (colo) para baixo. O colo do útero entra ligeiramente na vagina, que é aberta para o exterior. De cada lado da parte superior do corpo do útero existe um tubo chamado “trompa de Falópio” que acaba numa franja próximo do ovário. O interior do útero é forrado por uma camada mucosa chamada endométrio. Alguns dias após a menstruação (o número de dias varia de mulher para mulher e pode variar de ciclo para ciclo) a hipófise no cérebro estimula alguns folículos para que comecem a amadurecer. Imaginem uma uva ainda muito pequena e verde (o folículo) com uma grainha no interior (o óvulo). Durante o processo de amadurecimento os folículos segregam uma hormona que estimula umas reentrâncias (criptas) no colo do útero. Estas produzem uma substância mucosa chamada “muco fértil” que, por gravidade, desce na vagina e protege os espermatozóides dentro do corpo da mulher. Sem a presença de muco fértil os espermatozóides não conseguem sobreviver, mas na presença de muco de boa qualidade podem sobreviver de três a cinco dias. O muco tem uma capacidade nutritiva e selectiva em relação aos espermatozóides, capacita-os para mais tarde poderem fecundar o óvulo e forma canais que facilitam a sua passagem. Entretanto, no útero, o endométrio desenvolve-se – prepara-se a “cama” para a possível visita de um bebé. Em geral, só um óvulo atinge a maturidade. Novamente estimulado por uma hormona segregada na hipófise, o folículo rebenta e o óvulo é lançado para fora (sai a grainha da uva). É apanhado pela franja da trompa e fica no terço exterior desta durante o tempo máximo de 24 horas, à espera de ser fecundado. No caso de não ser fecundado nesse espaço de tempo, desfaz-se e é absorvido. No ovário ficou a estrutura que formava o folículo (a polpa da uva), agora chamada “corpo amarelo” por ter essa cor. O corpo amarelo produz uma hormona que faz cessar a produção de muco fértil, que fecha o colo do útero e que induz a proliferação do endométrio. Durante duas semanas (11 a 16 dias) o corpo amarelo mantém esta acção. Se no fim deste tempo não houve sinal de fecundação o corpo amarelo desaparece e o endométrio é descamado (menstruação). Inicia-se um novo ciclo. Mas por vezes o espermatozóide e o óvulo encontram-se. Na altura da ovulação os espermatozóides “viajam” pelo útero e pelas trompas à procura do óvulo. Encontrando-o, vários espermatozóides giram em redor deste fazendo com que a sua camada exterior se torne gelatinosa. A cabeça de um espermatozóide (contendo o núcleo), penetra no óvulo cuja camada exterior imediatamente endurece não permitindo a penetração de mais espermatozóides. Rapidamente, o núcleo do espermatozóide junta-se ao núcleo do óvulo e misturam-se os 23 cromossomas de cada, formando 23 pares numa combinação genética única. A partir desta junção dos núcleos inicia-se uma dinâmica de vida comandada pelo bebé que, como todos nós, só necessita de ser acolhido e alimentado para sobreviver. Como nós, também está sujeito à doença ou à morte. O ovo fecundado, agora chamado zigoto, começa a sua viagem pela trompa até ao útero. Leva 5 a 7 dias. Durante este tempo a única célula inicial já se multiplicou milhares de vezes. Ao chegar ao útero ambienta-se e implanta-se (nidação), no endométrio (a cama) que foi preparado para ele. Durante o seu desenvolvimento o bebé é denominado zigoto, mórula, embrião, feto, mas é sempre o mesmo ser, com a mesma carga genética que o marca como único. Termos mais usados nas discussões sobre a contracepção, o aborto e a reprodução medicamente assistida: Anti-nidação – Acção através de produtos químicos ou de aparelhos (algumas pílulas contraceptivas, pílula do dia seguinte, Dispositivo Intra-Uterino), que não permite a implantação do embrião no útero. Para quem acredita que a dinâmica de vida começa na fecundação é um aborto precoce. Há alguns anos, a Ordem dos Médicos Ginecologistas e Obstetras de Nova Iorque definiu a gravidez como só tendo início após a nidação. Esta definição foi aceite em muitos outros países. Assim evita-se usar a palavra aborto, que tem uma conotação negativa, em casos de morte provocada, pré-nidatória, do embrião. Células estaminais – Numa fase muito precoce do seu desenvolvimento, as células do embrião ainda não se definiram. Todas poderão evoluir como células ósseas, cerebrais, de pele, de sangue, etc. Pensa-se que, através da investigação, será possível desenvolver técnicas que permitirão implantar estas células numa pessoa e, assim, substituir tecidos doentes. Ao colher estas células do embrião este morre. É possível colher células estaminais do cordão umbilical do bebé ou da placenta, após o parto, o que não é eticamente polémico. Embriões excedentários – Na reprodução medicamente assistida são colhidos óvulos da mãe e espermatozóides do pai. A fecundação promove-se fora do corpo da mulher em condições propícias criadas no laboratório. A técnica de colhimento de óvulos é invasiva e pode provocar algum sofrimento, portanto procura-se estimular uma ovulação múltipla através de uma medicação prévia da mulher com hormonas artificiais. Assim colhem-se vários óvulos para aumentar as probabilidades de fecundação. Em geral, não se introduzem no aparelho reprodutor da mulher mais do que três embriões, para não correr o risco de uma gravidez múltipla, perigosa tanto para a mãe como para os filhos. Se forem fecundados com sucesso mais do que três óvulos, esses embriões excedentários são congelados para poderem ser usados, mais tarde, no caso de não haver gravidez na primeira tentativa de implantação, ou do casal querer mais filhos. Acontece que muitos pais “abandonam” estes embriões, que continuam congelados. Nalguns países, Reino Unido, por exemplo, é permitido por lei usar estes embriões para investigação científica. Existem propostas de “adopção de embriões” em que um casal poderia pedir que o embrião fosse implantado na mulher e, assim, ter um filho. A outra solução proposta é a sua destruição. Reprodução homogénea – São usados os óvulos e espermatozóides do casal. Reprodução heterogénea – São usados óvulos ou espermatozóides de uma terceira pessoa, por um dos membros do casal não os produzir. Mary Anne d’Avillez Dezembro 2004


Eutanásia/Bioética