Dossier

Elogio da Consciência Moral

Jorge Teixeira da Cunha
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Que podemos esperar, em moral, de Bento XVI?

Quando quem ocupa a cadeira de Pedro é alguém que escreveu, de maneira insuperável, sobre a consciência moral, só podemos esperar o melhor. Gostávamos, por isso, de pôr em evidência alguns pressupostos que, seguramente, serão visíveis nos escritos e na actuação do actual Papa, no que se refere aos assuntos de moral. 1. A consciência moral é a definição do próprio ser humano quanto ao seu valor e à sua dignidade. “Consciência significa reconhecer o ser humano, em si mesmo e no outro, como criação e respeitar, neste homem, o seu Criador”1 . São palavras de Joseph Ratzinger, entre muitas outras que poderíamos citar. Elas têm implicações muito especiais. Referem o reconhecimento da originalidade do ser humano, para lá de todas as qualidades apreensíveis pelas ciências exactas ou sociais, para lá de todas as instituições. Esta consciência, na plenitude da sua manifestação e purificada de toda a excrescência de inautenticidade, é inviolável por qualquer poder. Bento XVI em uma consciência muito aguda que este combate pela consciência moral é uma prioridade da Igreja, porque aí se joga a defesa mais profunda do homem. Lembremos que o actual Papa viveu de perto o horror do Nazismo que foi um fenómeno generalizado de manipulação da consciência moral. Por isso, a lembrança e a tomada de consciência da dignidade moral do ser humano é o maior contributo que a Igreja tem para dar à civilização, no diálogo dramático com a cultura de hoje. 2. A consciência moral é o lugar da verdade e forma-se pela escuta da verdade. Nesta escuta da verdade entra, primeiramente, a abertura a Deus e à revelação divina, como aspecto mais importante de todas as escutas humanas. Mas entra, igualmente, a escuta da razão, ou seja, dos impulsos do coração humano, da história da cultura, das aquisições da tradição ética e religiosa, dos resultados de todos os saberes. Este é igualmente um ponto muito importante do pensamento de J. Ratzinger. Para ele, a razão não é um conceito estático, uma espécie de património comum da humanidade, no qual podemos confiar cegamente, quanto ao caminho moral. Ele sempre insistiu em que a fé eleva a razão e não apenas a escuta. E, deste princípio, tira conse-quências muito importantes para a teologia moral, no sentido de não se conformar com um conceito débil de razão, fazendo, deste modo, do simples espírito do tempo um imperativo ético. A verdade que vem à consciência moral e que informa a consciência moral, é uma verdade sinfónica, à qual se tem acesso por um caminho testemunhal ou martirial, como gosta de dizer o actual Papa. É neste ponto que entra o Magistério, como carisma de verdade, às vezes com duras tensões, no caminhar histórico da Igreja. 3. Destes pressupostos, tão conformes com o espírito do Concílio Vaticano II, podemos, com toda a certeza, esperar muitíssimo em ordem à solução das muitas interrogações morais e problemas que há para resolver. Entre esses, poderíamos destacar alguns, por ordem de importância. Primeiramente, os de ética social. Entre esses, o problema do rearmamento moral das nossas democracias, por um respeito melhor dos Direitos Humanos, uma vez que o niilismo reinante é perigoso para a convivência dos povos e das civilizações; a questão da superação da pobreza, da actualização das implicações da justiça, no contexto do capitalismo bolsista e das modificações do mundo do trabalho. Em segundo lugar, os problemas de ética pessoal e familiar. Aqui urge repensar as exigências do matrimónio, tendo em conta o aumento do divórcio, mesmo entre os católicos, a questão da regulação da fecundidade e da sexualidade, no contexto da demografia e da expansão da sida. Finalmente, as questões internas à Igreja, como a participação da mulher dos ministérios, a presidência da eucaristia, dada a escassez de presbíteros celibatários, o papel das comunidades na escolha dos bispos, superando alguma permeabilidade ao nepotismo e ao abuso de poder. A Igreja tem mostrado ao longo do tempo virtualidades inesperadas. Depois de um Papa de carisma extraordinário, como foi João Paulo II, temos um sábio na cátedra de Pedro. Da sua sabedoria, seguramente podemos esperar a coragem para resolver aquilo que urgir ser resolvido, podemos contar com a força da persuasão para mostrar com argumentos aquilo que dever ser resolvido de maneira diversa da que esperávamos, e também com a humildade da grandeza de alma para admitir, quando isso acontecer, que algo foi decidido de maneira menos perfeita. Jorge Teixeira da Cunha --------- 1 J. RATZINGER, La Coscienza nel tempo, in Chiesa, Ecumenismo e Politica, Paoline 1987, 163. Encontram-se textos sobre este assunto em: Magistero Ecclesiastico – Fede – Morale, in Prospettive di Morale Cristiana, Roma 1987; A Igreja e a nova Europa, Lisboa 1994; Eloggio della Coscienza in Christus.


Bento XVI