Dossier

Elogio das Virtudes

Elias Couto
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Intenção Geral do Santo Padre para o Apostolado da Oração - JUNHO

Que os cristãos que exercem cargos de responsabilidade na vida pública, seguindo os ensinamentos do Evangelho e os princípios da doutrina social da Igreja, defendam e promovam o respeito pelos valores humanos em todas as situações. 1. Já não faz parte do hábito social falar de «virtudes». Quando muito, alude-se a valores, «republicanos» de preferência, ainda que ninguém saiba muito bem o que sejam. Virtudes, porém, parecem coisa bafienta, de um passado sem nome, pouco adequadas a estes tempos de costumes «fáceis» e «relativismos» pós-modernos, quando os comportamentos se medem sem referência a outra instância que não o próprio desejo, interesse ou prazer. Só assim se entende este ar do tempo, em que se respira deliquescência e, apesar dos discursos repletos de nobres palavras, se vive à superfície, receando ir ao fundo das coisas, onde jazem, tudo menos adormecidas, as causas de uma sociedade decadente, viciosa, comprazendo-se no escuro da náusea que a alimenta. Basta considerar a voragem de que se fazem os nossos dias: jovens que se autodestroem na droga; famílias que se autodestroem na infidelidade, no divórcio, no consumismo, na loucura do cartão de crédito e das dívidas sem limite; empresários sem escrúpulos que não pagam salários e fecham fábricas apenas para iludir responsabilidades sociais; políticos que vivem em conluio com poderosos, defraudando a causa pública em nome da qual foram eleitos; eleitores que, em nome da «obra feita», se mostram incapazes de «castigar» a desonestidade, recorrendo, pelo contrário, às manifestações de desagravo, às vigílias, à arruaça, ao insulto e à agressão, só porque alguém põe em causa o «nosso presidente» (seja da câmara, do clube de futebol ou de outra coisa qualquer); ricos, poderosos e famosos nas malhas de escândalos financeiros, sexuais… E todos parecem alimentar-se disto, revendo-se no comentário astuto, na tirada brejeira, na anedota «picante», no encolher de ombros, como quem diz que «é tudo normal»! 2. Tudo isto, porém, – e isto não é tudo! – torna mais necessário do que nunca o elogio das virtudes. Dirão, talvez, que tal não passa de conservadorismo sem futuro ou moralismo sem emenda. Rotular é fácil e de pouco serve. Importa, antes, perguntar-se se o caminho andado longe das virtudes deu frutos: de justiça (pessoas e sociedades que vivem servindo os outros e colocam nos mais pobres o seu cuidado preferencial – ou amarradas no seu egoísmo, para as quais apenas os ricos e poderosos têm voz e lugar?); de sabedoria (pessoas e sociedades exigentes, que procuram distinguir o bem do mal e buscam o bem comum – ou que fazem equivaler o bem e o mal, promovendo de igual modo todos os comportamentos?); de fortaleza (pessoas e sociedades melhor preparadas para suportar as adversidades que sempre aparecem – ou feitas para desistir à primeira contrariedade, culpando sempre os outros por todas as desgraças); de temperança (pessoas e sociedades equilibradas, fruindo prazenteiramente aquilo que podem e devem e capazes de se privarem daquilo que nem podem nem devem – ou gente que cede permanentemente ao desejo, mesmo quando este pede sempre mais, numa fúria inconsciente de autodestruição?). Da resposta a estas questões depende muito mais do que a manutenção de um determinado regime político, aliás, sempre perfectível – depende, sobretudo, a realização humana de cada pessoa e a edificação de sociedades cada vez mais humanas e humanizantes. 3. A Intenção do Santo Padre para este mês de Junho não deixa passar em claro aquilo que se espera dos cristãos que assumem responsabilidades na vida pública: defender e promover o respeito pelos valores humanos em todas as situações. Não porque os não cristãos estejam dispensados desta tarefa – mas porque os cristãos têm uma particular ajuda no facto de serem discípulos de Cristo e terem sido fortalecidos com o seu Espírito Santo, fonte de todo o dom e fortaleza dos que O invocam. Além disso, os cristãos empenhados na vida pública – empresários, políticos, professores… – têm a ajuda preciosa da doutrina social da Igreja, por meio da qual esta, como Mãe e Mestra, os ensina a viver e a agir, transformando o mundo segundo os desígnios do Evangelho. Espera-se deles, portanto, mais do que de outros, que a sua actuação seja um verdadeiro «elogio das virtudes», sem as quais nenhuma sociedade pode progredir e realizar os fins que lhe são próprios. Elias Couto


João Paulo II