1. O que diz hoje o Espírito à Vida Religiosa?
Esta foi uma das perguntas mais ouvidas no Congresso Mundial de Vida Religiosa, acontecido em Roma no passado mês de Novembro. Nesse Congresso, cerca de 850 participantes, vindos dos vários continentes e culturas, procuraram reflectir sobre o momento actual da Vida Religiosa e perspectivar caminhos de futuro para a mesma.
Em Roma fomos confrontados com a realidade de um mundo marcado pela interculturalidade, a globalização com as tensões que a mesma origina, uma sociedade de consumo exacerbado, o neo-liberalismo dominante, uma acentuada descristianização do chamado mundo ocidental, um certo regresso ao sagrado mas contaminado com laivos de exoterismo e superstição, o envelhecimento dos consagrados e carestia vocacional... Ao mesmo tempo salientou-se a “fome” de uma vida mais autêntica e espiritual, o desenvolvimento do voluntariado social, uma maior consciência dos leigos como Igreja, a valorização da pessoa humana na sua dignidade, a afirmação da liberdade como valor fundamental da pessoa...
E é numa sociedade com estas características que os Religiosos estão chamados a descobrir o que o Espírito pede hoje àqueles que quiseram afirmar, na sua vida, Deus como o único valor absoluto da sua existência, consagrando-lhe radicalmente todo o seu ser.
2. Chamados à comunhão
As barreiras do tempo e do espaço cada vez são mais ténues. Novas auto-estradas rodoviárias e informáticas esbatem os limites de comunicação no nosso mundo. No entanto, outras barreiras se levantam, outros muros, outros obstáculos que afastam as pessoas umas das outras. Concretamente na nossa Europa, vive-se a tensão entre o apelo à união, à construção de uma autêntica comunidade que, constituída por um mosaico de povos, nações, línguas e culturas, seja um espaço de liberdade, democracia, partilha, e a afirmação de regionalismos, de egoísmos nacionalistas, a criação de barreiras para evitar a entrada de pessoas oriundas de regiões exteriores, o crescimento do chauvinismo e do individualismo. Muitas vezes vemos mesmo partidos extremistas a crescer fazendo apelo a pretensos perigos causados pela invasão de povos bárbaros, incitando à violência contra estrangeiros, ao racismo, etc. Ao mesmo tempo vive-se também a tensão entre a procura de uma vida norteada pela justiça, a solidariedade, o respeito pelo outro e o hedonismo próprio de uma sociedade de consumo, a perca de valores fundamentais de referência, o relativismo que invade as nossas vidas levando a ter dificuldade em fazer opções definitivas... Perante isso, os religiosos são chamados, como dizia o Santo Padre na sua mensagem ao Congresso de Roma, a ser testemunhas credíveis da esperança cristã tornando visível o amor de Deus e oferecendo ao homem desanimado razões para continuar a esperar; a partir continuamente de Cristo para amar o próximo como Ele amou; a deixarem-se queimar no fogo do espírito, no Amor de Deus e a serem Amor; a entregarem a própria vida sem reservas, conscientes de que a única medida do amor é um amor sem medida. Os religiosos estão assim chamados a serem fundamentalmente instrumentos de comunhão.
3. O caminho feito e por fazer no nosso país
Uma das experiências mais marcan-tes do Congresso de Roma foi a comunhão vivida entre os 850 participantes. Pessoas oriundas dos 5 continentes, de culturas e povos diversos, com línguas e expressões vitais diferentes, homens e mulheres, falando uma mesma linguagem, partilhando livremente esperanças e temores. Sem dúvida uma grande afirmação da comunhão que somos todos, como Igreja, convidados a viver e a construir.
Em Portugal, há 50 anos que os religiosos constituíram Federações que os representassem e fossem fóruns de diálogo e partilha de projectos e respostas. Passados 50 anos, depois de um tempo em que se foi fazendo um caminho cada vez mais comum, achou-se que era chegado o momento de dar vida a uma Instituição única que representasse a Vida Religiosa de Portugal, feminina e masculina. Para isso constituiu-se um Secretariado único para dinamizar a Vida Religiosa no nosso país, congregar vontades e esforços, ajudar a aplainar as dificuldades em ordem à constituição de uma única Conferência; decidiu-se apostar numa comunhão económica total, a partir do Secretariado único; elaboraram-se os estatutos da nova Conferência. No dia 21 de Janeiro de 2005, em Assembleia extraordinária realizada em Fátima, os Superiores Maiores filiados na CNIR e na FNIRF aprovaram por unanimidade os novos estatutos, dando um passo de gigante para tornar realidade o projecto de uma única Conferência.
A partir daqui, há que esperar a aprovação da Santa Sé dos novos estatutos e reunir a Assembleia Geral para escolher os respectivos órgãos de governo. Pensamos que tudo isto é um sinal dos tempos, uma afirmação concreta da fraterni-dade e comunhão que estamos chamados a construir como homens e mulheres consagrados.
P. Manuel António M. dos Santos CMF
Superior Provincial