Dossier

Envelhecimento - uma questão de cidadania

Maria Teresa Ascensão
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Realizou-se nos dias 10 e 11 de Abril passado, um FORUM promovido pela Associação Portuguesa de Psicogerontologia, com o tema: “ENVELHECIMENTO – UMA QUESTÃO DE CIDADANIA”. A Conferência de Abertura foi feita pela Presidente do Movimento “Vida Ascendente” – Sra. Dra. Maria Teresa Ascensão. TEMA: “Uma sociedade para todas as idades. Intervenção pessoal e comunitária” A sociedade avança por marcos históricos que demonstram que perante os sucessivos desafios, é capaz de lhes dar uma resposta positiva. Estamos a viver um desses momentos! Jean Guitton, ao tomar consciência da transformação do xadrez demográfico, causada pelo aumento sem precedentes do número de pessoas mais velhas, falava duma nova fase da história e dizia: – “Não é o fim do mundo, é sim o fim dum tempo”. Procurarei fazer uma breve resenha do que se foi propondo, a nível mundial, para encarar de frente o evoluir do fenómeno do envelhecimento. Foi a partir dos meados do séc. XX que o aumento da esperança de vida começou a afirmar-se, provocando em todas as sociedade, com maior ou menor impacto, grandes transformações nas suas estruturas demográficas. Não podendo ficar alheia ao desenrolar deste processo a ONU chamou a si a análise deste nova realidade, procurando encontrar respostas concretas para enfrentar as crises que este acontecimento iria provocar. Foi há pouco mais de 20 anos que decidiu organizar, em 1982, a I Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento. Aí se traçou um plano, que ficou conhecido como Plano de Viena. Mas talvez, porque na altura esta nova situação não tivesse grande expressão em muitos países, este Plano demasiado ambiciosos – continha 62 recomendações – não produziu o eco que se esperava. Mas a Assembleia Geral das Nações continuou o seu trabalho. E em 1991 definiu os princípios base para um envelhecimento com qualidade. Reagrupou-se em cinco rubricas: – Independência – Participação – Cuidados de saúde – Desenvolvimento pessoal – Dignidade. Porém, reconhecendo a ONU que era necessário chamar todos os países a tomar em mãos este processo, a Assembleia decidiu, 10 anos depois, proclamar o ano de 1999, Ano Internacional dos mais velhos com o tema: “Uma sociedade para todas as idades”. No decurso desse ano procurar-se-ia estudar o envelhecimento em várias perspectivas, mas tendo sempre em conta que todas as acções deveriam levar a projectos que “promovessem a educação para toda a vida, a planificação de estruturas comunitárias para todas as idades, tendo como objectivo principal criar harmonia entre as gerações”. Por todo o mundo se foi tomando cada vez mais consciência desta realidade e embora a sua progressão não fosse igual em todas as sociedades, havia no entanto factores comuns que deveriam merecer respostas idênticas: – A explosão demográfica do número de pessoas idosas estava a ultrapassar de longe o que tinha sido previsto, sendo proporcionalmente maior nos países em desenvolvimento. – Por outro lado, estas pessoas com mais anos de vida, deveriam poder ser intervenientes em todos os sectores da vida social. Foi já com estes novos dados que se organizou em 2002 a II Assembleia Mundial realizada em Madrid. Não vou esgotar-vos com números e percentagens, mas referirei apenas aqueles que serviram de pano de fundo a esta Assembleia: 1.º – Em 1950 a percentagem das pessoas com mais de 60 anos, a nível mundial, era de 8%. Em 2002 era de 13%. Calcula-se que em 2050 será de 21%. 2.º – Este aumento de esperança de vida, pelo menos até ao período que permite fazer prognósticos sérios, é irreversível e não será compensado mesmo que a curva descendente de nascimentos seja invertida. 3.º – O número de pessoas com mais de 60 anos foi calculado, nos estudos que precederam esta Assembleia, em 629 milhões, prevendo-se para 2050 a cifra de 2000 milhões. Com base nesta mudança drástica da estrutura de todas as sociedades, Kofi Anam começou o seu discurso naquela Assembleia dizendo: – “A expansão do envelhecer não é um problema. É sim uma das maiores conquistas da humanidade. O que é necessário é traçarem-se políticas ajustadas para um envelhecer são, autónomo, activo e plenamente integrado”. E continuou: “A não se fazerem reformas radicais, teremos em mãos um bomba relógio a explodir em qualquer altura”. Reconhecendo-se a justeza desta análise, foram traçados dois objectivos que deverão orientar as políticas inovadoras para responder construtivamente a este fenómeno. – O envelhecimento tem de ser activo. – A sociedade é feita por todas as pessoas, em todas as idades. Nesta visão é necessário, desde logo uma mudança de mentalidades, quer da parte da sociedade, quer da parte das pessoas mais velhas. Da parte da sociedade, olhar os mais velhos com respeito e gratidão, deixando de proclamar que são um peso insuportável para as novas gerações. Da parte dos mais velhos não se deixando marginalizar, mas antes, continuar a assumir os seus direitos e responsabilidades. Os problemas da segurança social em grande parte resultam de erros de soluções políticas e não deverá responsabilizar-se os mais velhos por isso. Daqui decorre que as políticas a implementar devem encarar o envelhecimento como manifestação do evoluir natural de ser humano, que se vai desenvolvendo em etapas bem diferenciadas, mas em que a pessoa continua a ser criadora de riquezas e valores e por isso nunca poderá ser tratada como um elemento passivo a depender da boa ou má vontade dos outros. Sem dúvida que o grande protagonista e responsável do percurso do envelhecer é a própria pessoa: – mas cabe também à sociedade empenhar-se em ser espaço integrador de todos os seus elementos. Olhar o fenómeno do envelhecer, numa perspectiva positiva, implica chamar ao palco da vida os mais velhos, atribuindo-lhes tarefas específicas, reconhecendo na sua presença uma valia insubstituível na edificação da sociedade a que pertencem. Além do mais, é pela integração que se combate a chaga do isolamento. É que a solidão não magoa por se estar só. Todos temos de aprender a estar sós. Magoa por não ter ninguém com quem partilhar, nem ninguém que nos estenda a mão. Podemos então perguntarmo-nos que papel pertence à pessoa idosa como sujeito activo, responsável neste tecido social. Diria que, antes de tudo, ela própria tem de se assumir como pessoa, investindo até ao fim consciente dos seus dias na sua valorização humana. É que como ser humano, vai-se reestruturando num projecto de atingir o seu equilíbrio, mediante o esforço constante de ir vencendo as crises, que vão sendo cada vez maiores e mais profundas. Mas para que possa seguir este percurso, há que desenvolver os elementos construtivos do ser pessoa, chamar-lhe-emos elementos constitutivos: formação, liberdade, aprendizagem continuada, vivência dos valores humanos, tolerância, respeito e altruísmo. Para além destes, há os que chamaremos suportes exteriores do desenvolvimento da pessoa: cuidados de saúde, factores económicos, factores urbanísticos e estruturas sociais diversificadas. Estes serão tratados ao longo deste Forum. Mas não deixamos de referir que é pela conjugação de todos estes elementos que se garante a dignificação da pessoa em todo o percurso da sua vida. Traçamos este esquema porque nos ajudará a responder a uma questão essencial. Fala-se até à exaustão da sabedoria, da experiência, da generosidade e de outros dons dos mais velhos. Até parece que o seu projecto já está cumprido; nada mais há a acrescentar. Mas não é assim. Há que continuar o caminho, senão a quem serviria este potencial que parou de se enriquecer? Porquê não encontrar abertura dos outros para partilhar? É aqui que entra a interacção dos vários elementos que atrás referimos. Não nos construímos como pessoas abstractamente. Precisamos de desenvolver todas as componentes que a formam. Já dissemos que a primeira responsabilidade recai sobre os mais velhos, mas não levaremos de vencida este projecto sem os apoios que atrás mencionámos. Ajudar as pessoas mais velhas a dar sentido a esta etapa da vida, acreditando que é no crescer interior, na relação interpessoal e comunitária, que continuam a dignificar-se, a participar como elementos de pleno direito na construção da sua sociedade, é também tarefa da comunidade. Para isso várias estruturas têm de ser criadas através de soluções políticas coerentemente propostas. Não se pode continuar a adiar por mais tempo a implementação de acções que abram aos mais velhos os espaço que lhes pertencem. Quando falamos em estruturas não podemos deixar de referir, em primeiro lugar, a estrutura familiar. É no seio familiar que os mais velhos vivem a sua história. Excluí-los da vivência familiar é mutilar as suas vidas. Foram eles que formaram a família, a sustentaram, a prepararam para entrar no mundo social e são ainda eles que quase sempre continuam a ser uma peça chave do núcleo familiar. São-no como suporte afectivo, nas rupturas familiares que hoje corroem esta instituição. São-no como transmissores dos valores, que hoje as novas gerações ainda não sentiram a necessidade de acolher. São-no como guardiões do mais novos, quando as exigências do mercado do trabalho não dão tempo aos pais. Mas quando chegar a hora do não poder mais, que rumo se dá a estas pessoas? Felizmente estamos a assistir a um esforço de humanizar as respostas políticas a estas situações. Mas há ainda muitos problemas em aberto. Das várias soluções colocadas em cima da mesa, há exigências que não devem ser afastadas: é a pessoa idosa que deve ter autonomia para fazer a sua escolha. É pelo pleno direito de participar nas decisões que lhes dizem respeito que se expressa o seu direito de cidadania. Na medida do possível, devem ser salvaguardadas as suas raízes, procurando mantê-las integradas no meio em que se desenvolveram. Mas no empenhamento do envelhecer activo, os mais velhos querem estar inseridos noutros sectores da comunidade. Tendo em conta a regra da reciprocidade, há muitas iniciativas onde se pode desenvolver a troca de serviços e saberes. Na passagem da vida profissional para a etapa da reforma, estas pessoas devem poder continuar a manter a sua presença nas próprias instituições onde trabalharam. Elas próprias têm condições de organizar cursos e trabalhos para preencher frutuosamente os tempos que outros não são capazes de optimizar. Outras acções podem ser incentivadas. Há dois exemplos que gostaria de referir: em França, há o projecto chamado “Os Avós voltam à escola”. Contam as histórias da História. Em Espanha há outro: “Precisam-se Avós”. Famílias que não usufruíram do amor generoso dos avós, querem acolher pessoas idosas que têm tanto para dar. Mas para que se vá interagindo com as outras gerações tem de recorrer-se aos mais jovens, chamado-os a participarem em projectos, sobretudo nas estruturas sociais. É promovendo troca de ideias em debates, reflexões e no próprio projecto da educação continuada, ensinado sobretudo novas tecnologias, que contribuem para que os mais velhos sejam integrados na nova era. É assim neste entrelaçar da sabedoria, experiência e gestos de disponibilidade, com o entusiasmo, idealismo e saberes novos dos mais jovens, que se vai desenvolvendo a formação intergeracional e se vai edificando a sociedade solidária. É respondendo a esta exigência que qualquer estrutura que acolha os mais velhos tem de se responsabilizar por favorecer a sua participação em tarefas que correspondam às suas circunstâncias. Eles não podem ficar aí acantonados, fechado nas suas realidades, sendo despertados apenas para algumas valências da pessoa humana, que muitas vezes nem são as mais importantes. Mas há ainda um projecto para os mais velhos, cuja relevância queria salientar: o voluntariado. Consideramos este trabalho a melhor resposta, para pôr a render os seus dons, assegurando a humanização das suas vidas. Nenhuma iniciativa lhes deve ser imposta, mas há campos para onde deveria orientar-se a sua acção. Pensamos que, por todas as razões, era junto dos que estão a viver a mesma fase da vida, que o seu trabalho seria mais útil. Isto exigiria uma reestruturação nas modalidades deste serviço e também na sua orgânica. Mas para tudo isto ser viável, é necessário derrubar muitas barreiras, mesmo aquelas todas enfeitadas de flores. Já vai longa a minha intervenção, mas antes de terminar, queria salientar a nota dominante que perpassou em todas as propostas e intervenções da Assembleia Mundial de Madrid. Todas foram no sentido da urgência da definição de políticas que tenham em conta a nova arquitectura do envelhecimento. No plano pessoal, valorizando todas as componentes da pessoa respeitando a sua dignidade até ao último momento de vida. No plano institucional, chamando todos os interessados a participar e definir os esquemas concretos para que todos se sintam responsáveis por esta grande aventura. Reconhecendo os mais velhos como os grades protagonistas deste novo caminho, confiando nas suas potencialidades, quereria lançar-lhes um desafio, desafio que descobri num simples placar publicitário que dizia: – Faça mais. – Cresça mais. – Seja mais. Transpondo-o para o nosso tema, é todo o programa. Achei que não podia encontrar um apelo que melhor concretizasse o projecto do envelhecer activo com os outros. É nesta estrada da vida com dois sentidos – dar e receber – que construiremos uma sociedade (deixem-me que mude a preposição) e, em vez de dizer para todas as idades, diga antes: UMA SOCIEDADE COM TODAS AS IDADES. Maria Teresa Ascensão


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