Dossier

Etapas da Nova Concordata

D. João Alves
...

Hoje é assinada solenemente, em Roma, a Nova Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa. É esta uma data importante nas relações multisseculares entre a Nação Portuguesa e a Santa Sé, que vem na sequência de outras datas semelhantes do passado, particularmente a de 7 de Maio de 1940. Pediram-me que escrevesse algumas palavras sobre este acontecimento. Faço-o com muito gosto, embora não entre na apreciação dos conteúdos deste documento. Creio que o conhecimento de alguns aspectos do contexto em que se passou este nosso trabalho ajudará a compreender melhor o texto que é assinado hoje. 1 - Duas Comissões A Nova Concordata é fruto do longo trabalho conjunto de duas comissões, uma da República Portuguesa e outra da Santa Sé. A Comissão da República Portuguesa foi presidida pelo Embaixador de Portugal junto da Santa Sé, Dr. Pedro José Ribeiro de Meneses, agregando o Dr. Gil Galvão e o Dr. João Paulo Geraldes. A da Santa Sé foi presidida pelo Núncio Apostólico em Lisboa, D. Edoardo Rovida, integrando ainda D. João Alves, Bispo Emérito de Coimbra e o Prof. Doutor António Luciano Sousa Franco. Com a saída de D. Edoardo Rovida de Núncio de Lisboa, por ter atingido o limite de idade, a Secretaria de Estado de Sua Santidade João Paulo II, por intermédio do Secretário para as Relações com os Estados, D. Jean-Louis Tauran, hoje Cardeal, solicitou-me que passasse a presidir à Comissão da Santa Sé que integraria Mons. Leo Cushlei, nesta altura Encarregado de Negócios da Santa Sé, em Lisboa até à tomada de posse do novo Núncio em Portugal, continuando o Prof. Doutor António Luciano Sousa Franco. Com a mudança de Governo, pelo resultado das eleições, na Comissão da República Portuguesa deu-se a entrada do Dr. Luís Cerradas Tavares para o lugar do Dr. João Paulo Geraldes, continuando os restantes membros desta Comissão. 2 - Método de Trabalho A Comissão da República Portuguesa apresentou à da Santa Sé, com a antecedência acordada, as propostas de texto a discutir. A iniciativa de propor o texto cabia à Comissão da República Portuguesa por ter sido o Governo Português quem pediu a revisão da Concordata de 1940. Trabalharam, em conjunto, as duas Comissões, como regra, dois dias seguidos em cada mês, das 10 às 17 horas, com intervalo para o almoço. O facto de nos reunirmos dois dias seguidos explica-se por o Presidente da Comissão da República Portuguesa residir em Roma e ter de se deslocar a Lisboa para este trabalho. As reuniões conjuntas das duas Comissões tiveram sempre lugar no palácio do Ministério dos Negócios Estrangeiros. A Comissão da Santa Sé reuniu-se sempre durante um dia, das 10 às 17 horas, na Nunciatura, para preparar a reunião conjunta das duas Comissões. As alterações ao texto proposto acabaram sempre por ser apresentadas por escrito, como as contra-propostas, até se chegar a uma formulação de mútuo acordo. Quando não foi possível esse consenso o assunto ficou para a fase final das conversações. Ficaram alguns que, depois, tiveram solução consensual. Não concretizo agora quais foram esses problemas, reservando para outra oportunidade essa enumeração se tal for útil e necessário. O Governo, pelo seu Ministro dos Negócios Estrangeiros, verificou-se, esteve sempre a par do trabalho da revisão da Concordata por informação da Comissão da República Portuguesa, assim como a Santa Sé, por meio da sua Nunciatura em Lisboa, foi sendo informada após cada reunião conjunta. Acrescento, ainda, que a Conferência Episcopal Portuguesa foi chamada a pronunciar-se sobre questões pontuais em que o seu parecer era indispensável, o que fez com sabedoria, generosidade e sentido evangelizador. Deste modo, caminhou-se com segurança de ambos os lados. 3 – A Concordata de 1940 e a sua Revisão Logo no princípio dos trabalhos, ambas as Comissões reconheceram os bons serviços prestados pela Concordata de 1940 à paz em Portugal durante mais de 60 anos. Na verdade, a grave tensão existente entre o Estado Português e a Igreja Católica, no período que se seguiu à implantação da Primeira República, foi ultrapassada, com satisfação de ambas as partes, com a Concordata de 1940, o que não quer dizer que não tivessem surgido problemas posteriormente. Agora, na revisão, conservou-se o que ainda continuava válido e necessário, embora revendo a sua expressão linguística e alterou-se o que exigia mudança, dada a evolução cultural, social e política que, entretanto, se processou. Como se pode verificar no texto agora assinado, houve coisas que caíram, outras que se modificaram e outras, ainda, que se introduziram. Ao ler-se a Nova Concordata nota-se logo que a linguagem é outra e que a arrumação dos assuntos é também diferente. São alterações para facilitar a leitura mesmo das pessoas que não tenham formação jurídica. Com este texto da Concordata procurou-se sempre ter presente o que a Lei de Liberdade Religiosa prescreve e, também, o que outras concordatas já assinadas por outros países com a Santa Sé, estabelecem. Estas concordatas foram meras fontes inspiradoras do nosso trabalho e nada mais, uma vez que a nossa principal preocupação foi elaborar um texto, o melhor possível, que servisse positivamente as relações entre a República Portuguesa e a Igreja Católica. 4 – Clima de Trabalho Foi num ambiente cordial que se desenvolveu a revisão da Concordata de 1940, o que nunca obstou a que cada Comissão tomasse as posições que viu dever tomar. Nos momentos mais difíceis nunca se verificou rotura, porque a consciência em todos de nos encontrarmos ao serviço do bem comum do nosso País e da Igreja Católica esteve sempre presente e actuante. Por fim, ultrapassaram-se os maiores obstáculos com algumas cedências de parte a parte. A demora posterior à conclusão do nosso trabalho de revisão deveu-se, certamente, antes de mais nada, ao muito trabalho da Secretaria de Estado de Sua Santidade João Paulo II e, também, a questões de exegese do novo texto concordatário. 5 – Conclusão A Nova Concordata aí está para regular as relações entre a República Portuguesa e a Santa Sé. Que seja lida, estudada e concretizada. Nenhum texto deste género é perfeito. A Concordata de 1940 não o foi, como aquela que é assinada agora. Este é o texto que pareceu o melhor no contexto em que vivem Portugal e a Santa Sé. 18 de Maio de 2004 João Alves Bispo Emérito de Coimbra


Concordata