Ao longo dos seus anos de serviço de Pedro, João Paulo II ocupou-se, por diversas vezes, de temas de moral pessoal e familiar. Entre as publicações mais importantes, lembraria a exortação pós-sinodal “Familiaris Consortio” (1981), da encíclica “Evangelium Vitae” (1995), da carta apostólica sobre a condição feminina “Mulieris Dignitatem” (1988). A estes momentos principais, haveria que juntar a instrução da Congregação para a Doutrina da Fé “Donum Vitae” (1987) sobre a procriação com ajuda médica e, pelo menos, a carta da mesma Congregação sobre a pastoral das pessoas homossexuais “Homosexualitas Problema” (1986).
Se quiséssemos pôr em evidência as preocupações mais importantes destes documentos, poderíamos ter em conta três aspectos: o diálogo com a cultura pós-moderna, a solidez doutrinal, o horizonte pastoral. Quanto ao primeiro aspecto, ressalta do pontificado moral de João Paulo II um embate muito musculado com a debilidade ética do ambiente chamado pós-moderno. Ao contrato débil opõe uma visão muito robusta do matrimónio; à ética de bens, opõe uma moral do respeito pela norma como caminho da felicidade. Isto está patente em matérias como a sexualidade, o aborto, a fecundidade humana. Quanto ao segundo ponto, vê-se que João Paulo II manteve sempre uma coerente preocupação por pregar a doutrina imutável da Igreja, deixando de lado qualquer possibilidade de inovação, mesmo nalguns aspectos em que parece justo fazer alguma inovação da norma moral. Compreende-se que, no fundo, o Papa que conheceu o grande desprezo das ideologias pela humanidade, queria, através do seu Magistério pastoral, defender aqueles que ninguém defende: as crianças que não chegam a nascer, as multidões manipuladas pela cultura massificada. A uma cultura de morte, como chamou com grande dramatismo à nossa cultura, quis propor uma cultura da vida. Muitos gostavam que a sua linguagem fosse mais matizada em relação ao ambiente em que vivemos. Mas esse não era o estilo dele. De uma coisa não pode ser acusado: é de apoucar a consciência da responsabilidade pastoral por defender de todos os modos a multidão humana que lhe foi confiada.
Algumas questões ficam por resolver para quem vier a seguir. Entre essas, aludiria a duas: a sorte dos divorciados que voltaram a casar e a revisão da norma da “Humanae Vitae” sobre a regulação da fecundidade no contexto da paternidade/maternidade responsável. A primeira questão é muito importante para muita gente que sofre por causa da sua comunhão imperfeita com a Igreja. Seria necessário encontrar uma forma de integrar na comunhão todos(as) os(as) que, por circunstâncias alheias às possibilidades da sua liberdade, não perseveraram num primeiro matrimónio. Quanto ao segundo ponto, não parece impossível pensar a norma moral da abertura à vida dentro do casal, incluindo nessa fidelidade alguma intervenção artificial. O pior que pode acontecer a uma norma moral, pior mesmo do que ser combatida, é ser olhada com indiferença. Por isso é que seria melhor dar uma orientação diferente ao povo de Deus.
O Papa João Paulo II conseguiu uma extraordinária empatia com o mundo que vai ter de continuar a história sem a presença física dele. Poder-se-ia aproveitar essa empatia para propor um caminho messiânico de felicidade. A moral da Igreja deveria arrolar-se a esse programa.
Jorge Teixeira da Cunha