Pediram-me um testemunho da minha estadia em Taizé, mas já vai longe esse feliz acontecimento. Foi em Agosto de 2002 que, desafiado por um grupo de jovens de Esposende e um Sacerdote, rumei com eles em direcção à aldeia de Taizé, lá no sul da Borgonha, no Centro Leste da França, verdadeiro oásis de esperança onde se mata a sede na fonte da Vida e se aprende a celebrar a paz e a reconciliação entre todos. Todos os caminhos vão dar a Taizé, ali bem perto de Cluny, Ars, Parail-le-Monial e Léon.
Se a viagem foi boa no meio daquela saudável traquinice e alegria juvenil, a estadia em Taizé foi experiência marcante. E logo pela chegada ao local: milhares de jovens que saíam, milhares de jovens que chegavam! E tudo em movimentação ordenada de alegria contagiante, à mistura com camionetas e automóveis que aqui aguardavam os atrasados nos abraços da despedida, acolá arrumavam as mochilas, ali compravam umas últimas lembranças, dacolá chegavam os que tinham ido dar uma espreitadela mais - e já de saudade! - pelos cantos de Taizé… Enfim, se uns viviam intensamente os momentos da partida, outros deixavam-se interpelar pelo ambiente de Taizé, criando curiosidade e expectativa. E tudo isto porque ali vive, desde há anos, uma comunidade de irmãos de vários países e Igrejas que se comprometeram a viver por toda a vida na partilha de bens materiais e espirituais, no celibato e numa grande simplicidade existencial, vivendo do seu trabalho, aqui, em Taizé, ou em pequenas fraternidades no meio dos pobres, partilhando com todos o pouco que têm na riqueza doada das suas vidas por amor do Reino de Deus. Uma comunidade que logo cativou e cresceu pelo seu estilo de vida e trabalho com os refugiados da segunda guerra mundial que ali acolheu, no princípio, e, depois, trabalhando entre os meninos da rua e com toda a espécie de desfavorecidos nas favelas latino-americanas, entre os pobres da Ásia e da África e nos países da Europa de Leste. Uma Comunidade que reza e que partilha a sua oração com muitos jovens e menos jovens que vêm à procura de um encontro com Deus, consigo mesmos e com os demais, tendo espaço para partilhar experiências e alimentar a esperança, encontrando em Cristo o sentido para a vida. Uma Comunidade simples enraizada no coração do Evangelho, que promove a convivência pacífica entre os povos, a reconciliação entre os homens através do diálogo, da coexistência pacífica e do amor dos cristãos; que acredita na juventude e “no ecumenismo da santidade”, que acredita na força do Espírito e da Verdade.
No fim da primeira oração comunitária, à noite, num momento esperado e inesquecível, cumprimentei o Irmão Roger, sempre entre crianças e os Irmãos. Que expressão marcante de bondade, serenidade e paz, manifestando-se feliz pela presença de tanta juventude, esperança do mundo! Duas vezes fui comer na Comunidade, integrando-me na disciplina conventual que é praxe das suas refeições: oração, silêncio, palavra do Irmão Roger e de alguns convidados: jovens, dignitários de Igrejas ou outros, coisa que acontecia todos os dias. A seu pedido, presidi à Eucaristia final, no Domingo, e tive a oportunidade de participar na reunião que os Irmãos de Taizé organizaram com o grupo de portugueses que lá estiveram naquela semana: cerca de quatrocentos, do Minho ao Algarve.
Participei de Domingo a Domingo, como convém a quem lá vai. Os que entrámos naquele domingo calculavam-se entre os seis e sete mil pessoas de cerca de setenta países. Logo surgiram os voluntários de todas as línguas e culturas, para formar a diversidade das equipas que ao longo da semana iriam garantir a qualidade de vida de todos: a limpeza dos espaços, a lavagem da louça, a organização da refeição, o serviço no bar, tudo, tudo que era preciso para que nada faltasse e fosse bom. E foi, de facto, muito bom. A organização, a responsabilidade das equipas de serviço, a alegria dos jovens, a simplicidade e verdade existente entre todos, a pontualidade e seriedade nos três momentos de oração comunitária, sendo de realçar a de sexta-feira à noite, com adoração da Cruz; a participação nos variados Workshop, a oração pessoal, a delicadeza mútua, o respeito de todos por cada um e de cada um por todos, o esforço por gerar amizade no meio da confusão das línguas, culturas e feitios, o testemunho atento, alegre e feliz dos Irmãos da comunidade sempre prontos a escutar e ajudar, foi tudo lindo e lição de vida a gerar esperança de um futuro de paz e fraternidade, de reconciliação e comunhão.
Entre aquela juventude jovem não se percebiam preconceitos, nem fronteiras, nem muros que pudessem dividir a capacidade de comunicar, amar ou perturbar a alegria de estar, servir e partilhar. Ninguém andava atrás de ninguém e todos eram de uma exigência impressionante na assiduidade à oração comunitária e às outras iniciativas. Mais de seis mil jovens, sentados no chão, num silêncio profundo de escuta e de reflexão pessoal, explodia com serenidade, beleza e arte, nos cânticos em várias línguas, cheios de mensagem e harmonia. Que encanto! Que pequenez pessoal perante a riqueza do momento! Deus interpelava pelo silêncio, pela multidão de pessoas, pela entrada solene e serena dos Monges, pelo realce dado ao ambão e à proclamação da Palavra Deus, pela palavra vivida e oportuna do Irmão Roger, pela organização simples mas eficiente, pela disposição do espaço litúrgico, por aquelas velas e símbolos, por todo o ambiente da Igreja da Reconciliação, com sabor a mistério e sempre capaz de se alargar mais para acolher e abraçar a todos num verdadeiro espírito de família reconciliada consigo mesma e com Deus.
D. Antonino Dias