Dossier

Ferramenta para fazer jornais

José António Santos
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José António Santos, Jornalista, Secretário-Geral da Lusa

Na quinta-feira do final do mês, invariavelmente, Joaquim Laureano vergado ao peso dos anos e com a inseparável boina que lhe mantinha a temperatura do corpo, subia a ladeira íngreme até alcançar uma pequena construção junto à igreja, com uma sala e pouco mais, onde se fazia a redacção do jornal. Já o pai lhe ensinara a tarefa de ajuntar as letras, numa velha máquina de escrever que ele se aprimorava em conservar. Mergulhava, então, em papéis amarelecidos, rebuscava histórias em velhos almanaques, relia jornais fora de prazo, remexia na memória histórias antigas, e actualizava os acontecimentos ocorridos na aldeia e redondezas nas últimas semanas. Nestas andanças passava o dia todo com a ânsia de reunir contos e artigos para o jornal que todos os meses redigia sozinho. Havia alturas que saía do seu templo redactorial – uma velha mesa de madeira com quatro pernas e uma pequena cadeira, no meio de quatro paredes vazias e de um enorme montão de livros, alinhados por separadores com recortes de vários jornais – e ia entregar-se à conversa com o pároco e o regedor a ver se lhe davam ideias ou assunto para o jornal. Umas vezes tinha sorte, mas na maior parte delas voltava de mãos e mente mais vazias. Regressava, então, à escrita e na velha máquina de escrever, que já herdara de seu pai e vinha de outros antepassados, alinhava linguados amarelecidos onde ajeitava a prosa de tanto matraquear. Já se habituara a grandes noitadas, sobretudo quando a inspiração não abundava por que as notícias sempre escasseavam. E neste frenesim passava todas as últimas quinta e sexta-feiras do mês, a juntar originais com histórias que teriam de preencher as quatro páginas do jornal. Depois de duas noites mal dormidas, chegava o sábado último do mês. Pela manhã entregava um envelope grosso com os artigos para o jornal ao motorista da carreira que lhe fazia a esmola de o depositar na tipografia da cidade, onde o jornal haveria de ser composto e impresso. Uma semana depois, o mesmo motorista deixava-lhe na aldeia um maço de jornais ainda a cheirar a tinta fresca, com notícias velhas e ressequidas. Esta história é obviamente uma ficção. Não é nada porém que as nossas memórias não possam recriar em experiências vividas há pouco mais de uma década. Não sei mesmo se ainda hoje ela não se repetirá em algum lugar recôndito da nossa terra. Tenho no entanto uma convicção: se outras tantas histórias idênticas foram interrompidas ou transformadas tal fica a dever-se, em boa parte, à Agência Ecclesia e ao trabalho de muitos que a continuam diariamente a fazer. Quantos dedicados escrevinhadores de jornais de inspiração cristã deste país não foram despertados para as novas tecnologias da informação e aprenderam ou deram os primeiros passos na Internet pela mão amiga dos percursores da Agência Ecclesia? Podia discorrer aqui sobre o trabalho da Agência Ecclesia ao longo das suas mil edições. Até talvez pudesse atrever-me a debitar loas quanto ao futuro, se deve continuar como está, passar a revista ou aventurar-se por outros caminhos. Podia mas não o farei. Exactamente por entender que um dos grandes serviços da Agência Ecclesia no dealbar do Século XXI foi o de transformar muitos Joaquim Laureano em verdadeiros artífices e fazedores de jornais, ao ritmo dos desafios do nosso tempo. Por isso, o meu sincero abraço de parabéns. José António Santos, Jornalista, Secretário-Geral da Lusa


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