Dossier

Festas e procissões, acolher e evangelizar

D. António Marcelino
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O cristianismo nunca foi, nem pode ser, uma religião de elites. A sua história está no povo, um povo com os seus membros diversificados, a sua tradição e cultura, a sua história e os seus projectos. Coexistem nele situações sociais e graus de escolaridade diferentes e têm aí lugar, de pleno direito, novos e velhos, rurais e citadinos, iletrados e doutorados. Nada nem ninguém mais rico na sua expressão real, que o povo, o povo que somos. Foi num povo concreto, com as características próprias, que nasceu e se desenvolveu o projecto religioso que Cristo personalizou e deixou como encargo aos seus discípulos e a quantos n´Ele viessem a acreditar. Quando se respeita o povo que acolhe a mensagem evangélica e se ajuda a progredir, quando se apreciam, com discernimento criterioso, os seus valores próprios, as suas manifestações culturais e o seu modo de traduzir sentimentos, então pode-se construir e ver, nos valores espirituais e evangélicos que lhes são propostos como conteúdo da fé, um povo que, sem perder a sua originalidade, conhece Deus na verdade e O serve com generosidade. O povo servido por pastores que o ajudam a possuir a dignidade cristã exprime sempre, e desde já, o projecto divino de salvação. Ao falar do seu modo de agir com todos, o Mestre disse que não vinha destruir nada, mas completar. Este modo tão directo de dizer exprime o respeito pelas pessoas, não obstante os seus defeitos, pelo seu património espiritual, pela sua tradição e cultura, pelo modo de se exprimirem, pelos seus valores natos ou adquiridos, pela sua capacidade de aceitação e de progresso espiritual. A Igreja luta, por vezes, com dificuldades na sua relação com o povo, mormente quando as pessoas se julgam mais religiosas que ninguém e não aceitam outras propostas que não sejam as dos seus costumes e tradições, por vezes já vazios de sentido e que só superficialmente as comprometem. Quando neste sentimento comunga a maioria da população, a tentação de um braço de ferro é evidente. É o problema das festas, das promessas, dos pedidos de sacramentos tradicionais, dos costumes vazios de Evangelho. Não se pode canonizar nem condenar tudo o que o povo quer ou pede. O que nele está menos bem cai por si quando a proposta catequética se integra num processo de maturidade de fé, é aceite como ajuda, se faz em tempo próprio, é clara e sobre ela se pode dialogar, respeita o tempo e não precisa de outra autoridade que a da verdade dela mesma. O povo é teimoso e tem as suas convicções, que não se abalam com um sopro de quem quer que seja. É verdade que não se pode confundir ser cristão com considerar-se cristão. Mas, também, este discernimento não é fruto de uma análise laboratorial. Só respeitando e dialogando se pode ajudar a purificar e a crescer. In Correio do Vouga


Religiosidade Popular