Dossier

Festas religiosas populares: o cristianismo em júbilo

Pe. Jacinto Farias
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José Jacinto Ferreira de Farias, scj, Professor UCP

Que mais pode dizer-se que ainda não tenha sido dito sobre este tema? Uma questão ainda em aberto prende-se com o entendimento da clara definição do que sejam as festas populares e a sua relação com o cristianismo. Apesar disso, julgo que esta é uma questão secundária, pois as festas religiosas populares constituem uma dimensão essencial do nosso modo de viver o catolicismo. Gostaria de exemplificar com dois casos, que são, na sua morfologia religiosa, muito semelhantes. As grandes peregrinações a Fátima e a Festa do Senhor Santo Cristo em Ponta Delgada. Este ano, por uma feliz coincidência, participei em ambas neste mês de Maio que passou. Quando, quer em Fátima quer em Ponta Delgada, está presente uma imensa multidão seduzida pela evocação que a imagem representa, de Nossa Senhora, em Fátima, do Ecce Homo, em Ponta Delgada; quando estão presentes os bispos, o clero, os diáconos, e o povo de Deus em grande multidão; quando, no caso de Ponta Delgada, estão presentes todas as grandes instituições nas quais se organiza a sociedade, as autoridades civis, militares, académicas; representadas todas as associações culturais, já na celebração da Eucaristia, presidida por um bispo ou mesmo um Cardeal, ou até o Papa, o que é que há-de dizer-se disto, senão que há aqui um excesso de sentido que faz pensar? Pode, nestes dois casos, falar-se de religiosidade popular ou de festas populares, e em que sentido, dado que, sobretudo no caso de Ponta Delgada, é toda a sociedade, na sua componente civil e na sua componente eclesial que aí está congregada, unida pelo fascínio de um olhar que aquela imagem de um modo tão tocante e único provoca e contagia? Estou convencido que estamos aqui em presença não de simples festa popular, mas sim da Igreja em festa. Mas o que é, afinal, a festa? A festa diz essencialmente a confluência do Povo de Deus, para celebrar a alegria de estar junto, numa relação de proximidade e de comunhão. Os rituais, já os que decorrem da celebração dos sacramentos, sobretudo a Missa, já os outros, - que são como que a irradiação para a vida que se celebra e que se traduz nos banquetes -, são uma pedagogia ou um método para conseguir que as pessoas estejam juntas, e é por este estar juntas que passa a alegria, não apenas humana, mas também cristã. As Festas Católicas Populares não representam, portanto, nenhum problema teológico em si. E por isso distancio-me das teorias que vêem nestas manifestações formas residuais de paganismo, que seria necessário, portanto, combater e superar, quer do ponto de vista teológico, quer do ponto de vista sobretudo pastoral, em nome da pureza da fé. Evidentemente que não ignoro os problemas pastorais que a realização das Festas actualmente levanta. No entanto, persisto na convicção de que as Festas religiosas católicas são fundamentais na nossa sociedade, entre outras razões, porque permitem uma certa respiração de esperança, são momentos epifânicos de abertura para o transcendente, num universo sempre mais fechado em si mesmo, como se o mundo se reduzisse àquilo de que o homem pode dispor, ter à mão. Foi-me perguntado há dias por um jornalista, em Ponta Delgada, se eu tinha visto nas Festas do Senhor Santo Cristo algum excesso, algum desequilíbrio! Talvez os tenha havido, não sei. É que eu fui como peregrino, como vou a Fátima ou a outros lugares, como Roma ou Assis, e não como observador, e o que vi foi o fascínio daquele olhar, do Ecce Homo, e a troca de olhares daquele rio de gente, como se fosse um rio de lava, que passava diante da imagem, a sublime evocação do mistério do homem, esse espelho no qual o homem se contempla e se reconhece. As festas religiosas católicas são momentos de excesso de sentido, de júbilo, que se diz na celebração do mistério e na sua irradiação para a vida. Já S. Tomás de Aquino ensinava que Deus não liga a salvação aos sacramentos. Eles são momentos fundamentais na celebração do mistério da Igreja, mas não são tudo; as festas são sacramentais, ou seja, vivem deste irradiar de vida que se expande e que se transforma em cultura: pelas festas religiosas católicas passa a vivência da nossa própria identidade, mesmo como sociedade, mesmo como nação. Neste tempo crepuscular no qual nós assistimos a esta cultura envergonhada das suas raízes cristãs, alegadamente indiferente e laica, as festas religiosas católicas são um oásis de frescura, janelas abertas para a transcendência e para o mistério. José Jacinto Ferreira de Farias, scj, Professor UCP


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