Dossier

Garantir um rendimento mínimo para todos

Rui Martins
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O combate à pobreza e à exclusão social estará no centro das prioridades da União Europeia (UE) durante este ano. A coordenadora técnica da secção portuguesa da Rede Europeia Anti-Pobreza, Sandra Araújo, pretende que em 2010 haja um reforço da protecção social e do rendimento mínimo.

A responsável considera que a estratégia de crescimento económico preconizada pela UE tem que ser acompanhada por medidas de protecção ao emprego e pela diminuição das diferenças entre ricos e pobres.

 

Agência Ecclesia -  Um dos objectivos do Ano Europeu do Combate à Pobreza e à Exclusão Social (AECPES) consiste na promoção de acções “com um impacte positivo na erradicação da pobreza e da exclusão social”. Diante da actual situação económica, será difícil deter o crescimento destes fenómenos e, mais ainda, erradicá-los…

Sandra Araújo -  Exactamente. Mas esse objectivo, que é de facto muito ambicioso, não é totalmente descabido. Quando os trabalhos preparatórios do AECPES começaram, em 2007/8, estávamos longe de adivinhar o aparecimento da crise económica internacional e as suas consequências.

Este compromisso na luta contra a pobreza tem a ver com o fim de uma década iniciada com a assinatura, em 2000, da “Estratégia de Lisboa”. Passados 10 anos, esperava-se uma intervenção bem sucedida no combate à pobreza e à exclusão social. A verdade é que isso não se verificou, e portanto sentíamo-nos um pouco defraudados na expectativa que tínhamos. Por isso a Rede Europeia Anti-Pobreza fez muita pressão junto do Parlamento e da Comissão da UE para que houvesse uma avaliação séria das políticas sociais e dos esforços das instituições nacionais e internacionais. Pretende-se também que durante o AECPES as entidades estatais, as Organizações Não-Governamentais (ONG) e toda a sociedade civil estabeleçam um compromisso político e façam um esforço concertado na luta contra a pobreza.

 

AE - Com que resultados?

SA - É evidente que não esperamos acabar 2010 sem pobreza. O que queremos é alertar os decisores para uma Europa mais justa e equitativa e com medidas sociais mais adequadas. E também fazer pressão para que isso aconteça – é o lobby político que está em questão.

A Europa tem de pensar numa estratégia para a próxima década. Gostaria de salientar que há um documento de trabalho da Comissão Europeia, que está sob consulta até 15 de Janeiro. O texto é basicamente sobre o futuro da UE até 2020. A Rede Europeia Anti-Pobreza já reagiu e a secção portuguesa está neste momento a fazer um esforço para se pronunciar. É extremamente importante que as organizações da sociedade civil, e não só, se manifestem sobre esta proposta dado que ela estará no topo da agenda política da próxima cimeira europeia.

 

Redistribuir a riqueza

AE -  Pensa que a erradicação da pobreza e a promoção da autonomia pessoal das pessoas em situação de carência se poderão concretizar com o actual modelo de desenvolvimento económico?

SA -  Há uma aposta europeia no crescimento económico, com vista à criação de empregos. Obviamente que esta tem que ser uma das prioridades – não negamos essa evidência. Mas não chega. É preciso que a riqueza seja bem distribuída, e esse é que é que o problema do modelo social europeu. No nosso país, o nível das desigualdades sociais – um dos maiores da UE – é muito significativo. Também sabemos que Portugal tem uma taxa elevada de trabalhadores pobres -  apesar de terem emprego, muitas pessoas não saem debaixo da linha de pobreza.

Tem de haver um trabalho muito concertado de todos os parceiros económicos e sociais, no sentido de se repensarem estas políticas. Esta mudança não será possível só pela via do crescimento económico, que desconhecemos quando ocorrerá. Vai ser também necessário redistribuir a riqueza gerada.

 

AE -  Tirar aos que têm mais não será uma medida popular…

SA -  Não é popular e não é fácil. Exige uma mudança de mentalidades e exige que se mudem as formas de actuar.

 

 

Portugal precisa de mais “energia política”

AE -  O que é que este ano vai trazer de novidade no combate à pobreza e à exclusão em Portugal?

SA - O discurso de Ano Novo do Presidente da República não foi nada animador. Nós tememos que em Portugal estes problemas continuem a sentir-se com muita intensidade, pelo que é necessário ter mais energia política. É preciso também que os cidadãos percebam as causas da pobreza e da exclusão e que compreendam melhor estes fenómenos. Enquanto não assumirmos estas realidades como uma responsabilidade colectiva, dificilmente conseguiremos ter algum impacto positivo na erradicação da pobreza.

Nestes momentos de crise, a vertente assistencialista não pode ser negligenciada -  as pessoas precisam de comer e precisam de apoio, pelo que a satisfação dessas carências é inadiável. Mas, no nosso entender, não podemos ter uma intervenção que seja apenas dirigida para as consequências. É preciso também combater as causas da pobreza.

 

Promover o envolvimento de toda a sociedade

AE -  Qual tem sido o envolvimento da sociedade portuguesa neste Ano Europeu?

SA -  Esperamos que 2010 seja uma grande oportunidade para se investir na participação de toda a sociedade civil e das pessoas em situação de pobreza. Esta vertente, em que temos trabalhado desde há alguns anos, será uma prioridade para nós.

Neste momento já temos um conselho consultivo constituído por pessoas em situação de pobreza ou de exclusão, provenientes de cada um dos distritos do país. Este organismo, que ao longo do ano vai ter reuniões periódicas com a equipa técnica da Rede Europeia Anti-Pobreza/Portugal, procurará apresentar ideias de actividades e participará no desenvolvimento das acções e na sua avaliação.

Por outro lado, animámos as ONG’s nossas associadas a incluírem nos seus programas anuais campanhas informativas e de sensibilização, bem como debates sobre a pobreza e a exclusão social. Além disso, os nossos núcleos, que se distribuem por todos os distritos, estão a trabalhar a nível local com pessoas em situações de pobreza.

Apresentámos também 18 candidaturas ao programa do AECPES, em parceria com ONG, autarquias e escolas. Estão também envolvidas empresas de comunicação e informação e alguns media, que serão nossos parceiros nos projectos que forem aprovados.

Há ainda uma iniciativa muito interessante a decorrer em um ou dois estabelecimentos de ensino por distrito, denominada “Escolas Contra a Pobreza”. Muitos alunos estão a trabalhar este tema com projectos de investigação, realização de trabalhos práticos, visitas às instituições, e recolha de alimentos e de vestuário.

Esta Terça-feira [5 de Janeiro] haverá uma sessão de inauguração do AECPSE, na Escola Artística Soares dos Reis, no Porto. O encontro será marcado pela apresentação de uma peça de ourivesaria alusiva ao Ano Europeu, feita pelos alunos.

Neste sentido, as dimensões da participação e da sensibilização são para nós o grande desafio deste Ano Europeu.



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