Dossier

Identidade Social do Cristianismo

D. Manuel Martins
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D. Manuel Martins, bispo emérito de Setúbal

Acho muito interessante este tema e mais, que depois de vinte séculos de experiência cristã, ainda lhe andemos a perguntar o que significa e que recados ou mensagens nos guarda.

O Evangelho é mais que claro, quando nos diz que não podemos andar por aí a dizer que amamos a Deus sem amarmos o próximo e, se calhar, mais claro ainda S. João, quando chama mentiroso àquele que diz amar a Deus sem amar o próximo. Num e noutro lugar, isto é, em Jesus e em João que O “entende”, nós confrontamo-nos com uma verdadeira provocação, o que não nos pode admirar porque o Evangelho é uma provocação, Jesus é o Provocador por excelência e pela provocação terá que andar a verdadeira Evangelização. Às vezes, penso que na Igreja andamos todos muito quietinhos ou morninhos, porque nem nos provocam, nem nós provocamos, nem provocamos ninguém.

O cristianismo é a vida que nos vem de Jesus Cristo, o Filho de Deus, Segunda Pessoa da Trindade. Do “trabalho” do Pai com o Filho procede o Espírito Santo. Lembro este mistério augusto da nossa fé, para concluir, à minha maneira tão pobre (perigosa?) que Deus é Sociedade, que nós, homens, criados à sua imagem e semelhança, somos sociedade, sociedade que nos foi não só revelada por Jesus Cristo, como por Jesus Cristo nos foi explicada e testemunhada. Isto para dizer que o Cristianismo tem uma identidade social. Será que pensei e deduzi bem? Então, todo ele, o Cristianismo, é o mistério da Incarnação implantada no mundo dos homens, já que “foi por nós homens e pela nossa salvação que incarnou e habitou entre nós”.

A Igreja é a herdeira de Cristo, é Cristo continuado, Cristo incarnado – Cristo Social (!). Por isso, como aconteceu com Jesus, também ela tem que olhar o homem todo, salvar o homem todo, não esquecendo nenhuma das suas dimensões de evangelização, como às vezes acontece. Está mais que dito que a vertente litúrgica, que habitualmente privilegiamos, não esgota a missão da Igreja que terá que passar necessariamente por outros patamares, exactamente aqueles que definem o homem todo.

Daqui nascerá e por aqui passará aquilo a que chamamos Doutrina Social da Igreja. O Catecismo não foi primariamente composto para ser mostrado ao mundo, antes, foi cuidadosa e pedagogicamente elaborado, e à luz da fé, para nos ajudar a descobrir como devemos estar no mundo a testemunhar por inteiro e sem omissões a nossa fé.

Parece-me que é o que nos falta (pode faltar) na nossa vida cristã: fazer do amor do próximo, com todas as suas exigências e consequências, a melhor prova do amor a Deus. O Cristianismo tem, por essência, uma identidade cristã (não se repare no pleonasmo), a sua identidade cristã está identificada com a sua identidade social.

D. Manuel Martins, bispo emérito de Setúbal



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