Como é costume no tribunal quero começar por declarar, sem ambiguidade, que conheço e sou amigo do Cónego António Rego há mais de quatro décadas.
Mas, como também é prática dizer-se no foro judicial, tal facto não me impede de dizer a verdade – toda a verdade – sobre o distinto Autor que hoje nos tem reunidos.
O António Rego – peço que aceitem o plebeísmo do tratamento – disse-me, há dias, em telefonema para a terra da Madre Teresa onde eu me encontrava circunstancialmente em trabalho, ter ficado “congelado” com o Prefácio do Senhor Patriarca.
Não é caso para menos.
Efectivamente, tudo o que eu poderia dizer sobre o livro – e o seu Autor – está escrito pelo Senhor D. José Policarpo de forma superior, e elegantemente inexcedível.
Assim sendo, que me resta fazer, nas assaz difíceis condições em que me encontro? Talvez actuar segundo a técnica do micro-ondas para “descongelar” o António Rego e restitui-lo, como merece, à temperatura ambiente dos amigos e admiradores que muito o prezam.
Por tal razão, tentarei desincumbir-me da espinhosa missão que me foi confiada temperando a “frieza” da cabeça, com que se espera que faça a exegese da obra e do seu Autor, com a “quentura” do coração, que as “calorias” do convívio e os muitos anos de partilha tornam inevitável.
“Deus na Cidade” é uma fascinante narrativa da nossa comum condição humana, feita de 240 apontamentos de quotidianos e de dramas da vida real, interpretados pelo olhar perscrutador do jornalista cristão.
Quero falar-vos de quatro vertentes estruturantes desta notável obra que são manifestações inequívocas de tantas outras dimensões fundamentais do seu Autor.
Dimensão Comunicacional
Este livro é uma obra-prima de comunicação: é a expressão da força do “verbo” na cidade dos homens.
O profano eleva-se ao patamar do sagrado pelo milagre da palavra, cerzida com maestria por um Autor que se mostra profundamente enamorado da condição humana, do amor divino, e da dignidade da pessoa que sempre espreita para além da sua incontornável contingência e vulnerabilidade.
Esta é a obra de um comunicador sem fronteiras que domina, como ninguém, a arte da comunicação radiofónica, televisiva, escrita, digital e multimédia.
Temos na nossa presença o produto de um exímio “contador de histórias” que sabe bem como “tudo começa na história que nos preenche o coração” (pg. 251, Contadores de histórias).
É o livro de um portentoso fazedor de linguagens, de alegorias, e de expressões simbólicas, que as inventa e recria sabendo como se encontra em tais categorias o sal da vida e o fundamento dos vínculos sociais.
“Deus na Cidade” é, pois, uma obra inspirada e inspiradora (ou não fosse o Autor oriundo da terra do Divino Espírito Santo ...).
Ela merece ser profundamente reflectida e estudada como padrão comunicacional em todas as nossas escolas de jornalismo, pela intensidade, frescura e novidade de que é portadora.
António Rego é verdadeiramente o paradigma do comunicador integral.
Dimensão Estética
Ler este livro é sinónimo de participar numa aventura estética.
A beleza apresenta-se como um atributo da linguagem, e vice-versa, na comunicação do Autor.
“Sei que Deus é mais estético que ético” afirma António Rego (pg. 43, Poesia e publicidade). Ainda que arrojado, nada de mais coerente no pensamente e na praxis do Autor.
Para este esteta da comunicação cada ideia é uma catedral, cada palavra um poema, cada frase um diaporama, cada artigo uma sinfonia (pg. 129, A grande sinfonia).
O seu impulso comunicacional – irreprimível e torrencial – é um hino permanente à criação e à beleza que ele consegue descortinar no que olha, toca, ouve, cheira ou saboreia.
A sua prosa cheira a maresia.
Como impenitente açoriano, o Autor busca no horizonte largo do oceano, na contemplação do infinito, o bálsamo para curar as mazelas do quotidiano mesquinho.
António Rego é genuinamente um esteta da comunicação.
Dimensão Cultural
Este “Deus na Cidade” é um acto denso de cultura.
Desprovido de cultura, o homem encontra-se perdido na imensidão do tempo e do espaço históricos. Nesta exacta medida, o Autor afirma-se nesta obra como um homem de cultura inequivocamente enraizado na cidade e na história dos homens.
Cultura que interpreta sem conhecer fadiga, que proporciona o bisturi para a compreensão “cirúrgica” da complexidade reinante, e que procura o sentido final das coisas e da existência. Incessantemente, e com a assumida coragem de dizer a verdade, como é típico da criação cultural.
António Rego deambula pelo mundo da cultura com o à vontade de quem cedo compreendeu que cultura e fé encerram “uma chave transcendente e subtil da existência do mundo e do ... próprio ser” (pg. 55, Maria de Lourdes Belchior).
A obra é, assim, uma valiosa oferenda do Homo Sapiens que é António Rego.
Ela é um pronunciamento vigoroso a favor de uma “Nova Cidade” – uma Nova Jerusalém – onde o egoísmo cede o passo à fraternidade, o consumismo se rende à partilha, e o efémero se encontra com o eterno.
António Rego é autenticamente um homem de cultura, e maxime, de sabedoria.
Dimensão Eclesial
Este opus magnum do Autor é, como dissemos, uma narrativa singular da densidade humana vivida na cidade contemporânea.
Mas não é uma narrativa qualquer. A história da urbanidade vem escrita, e descrita, com rara densidade eclesial. É a visão de quem, no evento mais simples, insiste em descobrir a dimensão cósmica do povo de Deus, a saga do Homo Viator na sua caminhada da Salvação.
“Deus na Cidade” é, por isso, um legado testemunhal, a obra de um Padre que é sacramento e sinal vivo de esperança para os demais humanos que o rodeiam.
É um brado de coragem de alguém que navega, sem medo, pelas vielas escuras da cidade feita do delírio do prazer, da vertigem do nada, dos abismos de alma.
Deste modo – desassombrada e infatigavelmente – o Autor participa na revelação do Deus misericordioso que permanece enamorado dos homens e que desce às “ruas e praças” prodigalizando “sinais visíveis do sagrado” na sua atribulada cidade (pg. 93, Fé e vida).
É o legado do crente.
É a reafirmação, sem tibieza, de que Religião é religare; que a sua missão compreende também o estabelecimento de traços de união e o fortalecimento de ligações interpessoais propiciadores ambos de comunidade e de proximidade.
Desde muito jovem, o Autor decidiu viver a sua singular eclesiologia na abertura de novos caminhos: na pastoral das comunicações; no jornalismo; na programação religiosa; na liturgia; na música sacra; no ensino superior; na salvação da polis.
Na sua intensidade eclesial, importa reconhecê-lo, António Rego anuncia a Nova Evangelização da e na cidade, antecipando-se, na sua profecia, à missão para que somos hoje convocados.
O Autor transporta no seu interior um grande tesouro.
António Rego é exemplarmente um homem de Fé.
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Termino com duas mensagens de felicitações e outra de agradecimento.
Felicitações à PAULUS Editora e a Agostinho França pela oportuna iniciativa de publicação de uma verdadeira pérola editorial.
Felicitações a todos os leitores e falantes de língua portuguesa que têm a possibilidade – estruturada – de conhecer mais aprofundadamente o pensamento deste filósofo da contemporaneidade e semeador de esperança que é António Rego.
Um agradecimento, muito sentido, ao Autor por nos permitir a fruição da sua extraordinária pluridimensionalidade: comunicacional, estética, cultural e eclesial.
Um agradecimento antecipado pelos tesouros que ele tem armazenados e que nos serão mostrados no futuro, à semelhança do museu em que as peças mais valiosas aguardam ainda a oportunidade de serem desvendadas.
Sobretudo, meu caro António Rego, obrigado
· por existires
· por seres quem és
· por propores sem impores
· por te ofereceres como dom gratuito
· por seres inspiração para tantos
· por nos mostrares o rosto de Cristo na cidade.
Roberto Carneiro
Forum Picoas, Lisboa, aos 24 de Novembro de 2003.