Igreja e Cinema: uma História por contar
A relação entre a Igreja Católica e o cinema nunca foi pacífica. Quando a Sétima Arte nasceu no fim do século XIX, a Igreja percebeu logo que a imagem fílmica tinha uma força especial além da sua forma narrativa: a possibilidade de representar o real através da imagem fotográfica e sobretudo a impressão de vida que essas imagens tinham por causa do movimento.
Através da imagem do cinema, era fácil tocar, convencer e juntar um grande número de fiéis. No entanto, depois de utilizar a técnica cinematográfica como meio de evangelização, a Igreja apercebeu-se que a indústria do cinema estava a representar narrativas com conteúdos que iam contra os seus dogmas. Por exemplo, era inaceitável que no fim do filme, o herói se suicidasse porque tinha perdido o amor da sua bem-amada.
Os conflitos começaram e a Igreja ficou sempre partilhada entre um desejo de reconciliação com o cinema ou a decisão de uma ruptura definitiva com uma arte que podia ser perigosa.
Em Portugal, a relação entre a Igreja e o cinema tem também uma história que está por fazer, em particular durante o período salazarista que vivia pela censura imposta. Foi nessa altura que a relação entre o cinema e a religião foi muito profícua: membros do clero e leigos criaram inúmeros cine-clubes que exibiam filmes proibidos pela censura e promoviam debates sobre as questões de fundo. Depois da revolução, houve uma ruptura entre cinema e religião, porque não era de politicamente correcto falar da Igreja numa sociedade que a acusava de ter colaborado com o fascismo, esquecendo que tinham sido membros da Igreja a transgredir a ditadura para dar a conhecer em Portugal uma outra forma de cinema [exemplos].
Hoje a Igreja Católica portuguesa quer retomar e continuar esse diálogo que foi interrompido e estendê-lo para os não crentes. A Igreja vê o cinema como lugar de liberdade de expressão, permitindo um intercâmbio de ideias e experiências que reflictam sobre a nossa vida contemporânea.
O cinema funciona como um alimento mental e emocional e procura também despertar no espectador experiencias estéticas. Muitos filmes têm uma dimensão religiosa implícita que não é logo identificável, porque não ilustram. Fazer a ponte entre cinema e teologia permite ir à procura da expressão religiosa e/ou transcendental nas imagens da sétima arte. Se Deus fosse uma verdade explícita, não existia o desejo misterioso de o procurar, e de o encontrar.
A Igreja Católica portuguesa criou o prémio cinematográfico Árvore da Vida (Indielisboa 2010) para incentivar os realizadores portugueses a participar num diálogo aberto e epistémico.
A arte do cinema permite um debate sobre questões sociais e teológicas, que nos ajudam a acreditar e a ter fé no outro.
Com ou sem Deus, o cinema reflecte sobre o sentido que podemos dar à nossa vida: através do perdão (Histórias de Caçadeiras de Jeff Nichols, 2007), através da loucura de se perder para melhor se reencontrar (Luz Silenciosa de Carlos Reygadas, 2007), ou simplesmente, através da escuta da vida como própria fonte de inspiração (Pelas Sombras de Catarina Mourão, 20101)?
Inês Gil, Professora de cinema e fotografia na Universidade Lusófona
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