Dossier

Igrejas para o terceiro milénio

Octávio Carmo
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Diocese de Roma aponta o caminho e inaugura uma igreja que quer ser referência arquitectónica, projectada pelo arquitecto judeu Richard Meier

A mais recente igreja da Diocese de Roma, “Dives in Misericordia” (dedicada a Deus Pai misericordioso) é um exemplo do que serão as igrejas do século XXI. Desenhada pelo arquitecto norte-americano Richard Meier, um judeu, a sua imagem simples e severa consegue combinar um interior “sagrado” com um exterior flexível e amplo, de onde se destacam as impressionantes velas de cimento infladas pelo vento do Oriente. “O significado da igreja do ano 2000 é evidente: decompor e recompor a própria ideia de igreja, voltando a página para uma nova era”, escreve Meier a respeito da sua obra, símbolo do Jubileu do ano 2000 segundo desejo explícito do Papa. Doze mil horas de estudo e 23.000 de trabalho foram gastos para levantar a paróquia de Deus Pai Misericordioso, que compreende uma ampla igreja de 800 metros quadrados e um centro paroquial anexo de mais de 1.600. Elementos de vanguarda foram contemplados para levantar um edifício que alcança os 26 metros de altura e em cuja construção foram utilizadas mais de cem toneladas de cimento branco. «Simbolicamente, a igreja de Deus Misericordioso é uma grande barca com três velas que entra no bairro”, explica o padre Corbino, pároco local. As exigências contemporâneas de singeleza, limpidez, funcionalidade da igreja parece, ter sido asseguradas, mas também é preciso que o edifício apareça como um elemento capaz de unir num mundo fragmentário, suprimindo o supérfluo e fazendo do interior a referência principal. O espectáculo grandioso das velas pode ter colocado em questão esta última premissa. Richard Meier concebeu a igreja do bairro de Tor Tre Teste com uma luz extraordinária para transmitir «um sentido de abertura e de acolhimento como o da colunata de Bernini, na praça de São Pedro, que nos abraça enquanto nos aproximamos da igreja». O facto de Meier ser judeu levantou alguma polémica, mais a mais sendo esta construção no “centro da Cristandade”, mas isso não parece perturbá-lo: “o crucial é a Fé em Deus, trata-se de fazer algo de significativo para o mundo, um lugar que fomente a compaixão e onde nos possamos sentir irmãos”. A NOVIDADE DAS IGREJAS CONTEMPORÂNEAS O problema essencial , em construções deste género, será o de perceber se a arte que serve a Igreja deve revestir-se exclusivamente de um conjunto de modelos pré-determinados ou se existe a possibilidade de uma renovação constante, geradora de formas, sentidos e imagens novas, mas igualmente válidos. A novidade das igrejas contemporâneas, que choca muitas vezes com definições preconcebidas do que seja uma construção religiosa, explica-se pelas tendências da própria arquitectura dos nossos dias, em particular pela utilização de novos materiais como o cimento ou o vidro, com primazia para o aspecto funcional. É evidente que neste campo é muito difícil delimitar fronteiras, saber o que é adaptar-se a novas circunstâncias sem ter de abdicar da função especifica de uma igreja. A resistência a uma adaptação a novas necessidades e circunstâncias revela-nos o carácter delicado da questão “igreja moderna”, por assim dizer. Pode tornar-se complicado inserir a especificidade de uma igreja numa cidade cada vez mais alheia aos valores que o edifício religioso encerra e transmite, seja nas suas formas tradicionais, seja em novas formas e materiais. De certa maneira, a igreja toma forma sabendo que não se identifica com um espaço físico, as formas parecem ser vivificadas por uma inspiração interior, tentando situar uma realidade transcendente num mundo que é o dos homens. A construção de uma igreja revela-nos elementos capazes de traduzir a nossa aspiração de infinito (escala sobre - humana, verticalidade, horizontalidade, luz, cor, vazio). A própria história da arquitectura revela esta propensão para o desprendimento, o ultrapassar da realidade terrena, deslocando-se para o sentido da desmaterialização e, portanto, da elevação do espírito. Do ponto de vista decorativo, é a simplicidade e o despojamento que dominam as igrejas de hoje: encontramos poucas imagens e mesmo pinturas não-figurativas. A luz é mesmo o elemento decorativo dominante, o único luxo que estes arquitectos não recusam. Há nesta vontade um desígnio notável de ir ao essencial, à escuta da Palavra de Deus e à Comunhão Eucarística, na linha da reforma litúrgica encetada pelo Concílio Vaticano II.


Arte Sacra