Dossier

Impostos do clero

José Joaquim Almeida Lopes
...

Com a reforma da tributação do património, as doações em dinheiro deixaram de pagar impostos. A Igreja Católica em Portugal vive de doações em dinheiro dos fiéis, manifestadas em ofertas, donativos e esmolas. Logo, essas doações em dinheiro não estão sujeitas ao pagamento de impostos. O clero, em Portugal, não tem o estatuto dos trabalhadores dependentes. O seu estatuto é o que consta do Direito Canónico: são ministros sagrados, que fazem parte da constituição hierárquica da Igreja. Deste modo, forçar o pagamento de um ordenado para sujeitar o clero à tributação em IRS é desvirtuar o estatuto canónico do clero. Os padres e os bispos não são trabalhadores por conta de outrem. O facto de a Concordata de 2004 ter acabado com a isenção dos clérigos pelo exercício do múnus espiritual quer significar tão-somente que os clérigos ficam sujeitos à tributação regra. Deste modo, ficam sujeitos à mesma tributação de todos aqueles que recebem doações em dinheiro. Isto é, nos termos do artº 1º nº5 a) do Código de Imposto de Selo, não devem pagar imposto. Não há qualquer norma do Código de Direito Canónico que diga que os sacerdotes devem receber um ordenado, vencimento ou salário. Pelo contrário, o cânone 222 obriga todos os fiéis a contribuir para o sustento do clero. Assim, o clero deve ser remunerado condignamente mediante ofertas e donativos dos fiéis. O clero de Portugal quer seguir a regra de Jesus Cristo: a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Mas César tem apenas direito ao que está previsto na Lei de César, nem mais nem menos. Penso que a Concordata de 2004 deveria ser regulamentada com uma lei na Assembleia da República a estabelecer a fiscalidade do clero em Portugal. Não basta que a administração fiscal faça uma circular a tratar de matéria de reserva de lei da Assembleia da República. Constitui novidade em Portugal, no que toca à interpretação da Concordata de 2004, dizer-se que as doações em dinheiro não pagam em impostos. Todos os fiscalistas que se têm pronunciado sobre o assunto têm esquecido este aspecto. Mas é o que está na lei. Para efeitos fiscais, não está definido pela Concordata o que são fins religiosos, mas apenas o que não são fins religiosos. Assim, fins religiosos são os assim considerados pelo Código de Direito Canónico. As leis fiscais, ao autorizarem conceitos próprios do Direito Eclesiástico, devem ser interpretadas com o sentido que esses conceitos têm no Direito Eclesiástico. Sendo o Estado Português não confessional, não lhe compete a ele definir o que são fins religiosos, pois o Estado não se pronuncia sobre questões religiosas. Forçar o recebimento de um ordenado para efeitos fiscais significa proletarizar o clero e tornar os sacerdotes meros funcionários da Igreja Católica. O actual regime económico do clero já vem do séc. VI. A fixação de um ordenado igual para todo o clero é consagrar o igualitarismo que não foi querido pelo Código de Direito Canónico. José Joaquim Almeida Lopes Canonista


Concordata