Na sua Mensagem para a celebração do Dia Mundial da Paz, sob o lema “Combater a Pobreza, Construir a Paz”, o Papa dirige o seu apelo a todos os indivíduos, povos e nações para que regulem o seu comportamento segundo os princípios de fraternidade e responsabilidade para constituir uma única família.
Quando a nossa aldeia é todo o mundo, são muitos os que neste mundo globalizado são atingidos pela pobreza. Também entre nós: enquanto se agrava o fosso entre os muitos que têm pouco e os poucos que têm muito, o número daqueles que vivem abaixo do limiar da pobreza teima em persistir acima do tolerável (se é que em caso algum a pobreza possa ser quantitativamente tolerável). Será a fraternidade uma utopia e a responsabilidade aquilo que apenas dos outros se espera?
Os pobres têm um elevado nível de privação. Um pobre não é livre e a pobreza configura uma situação de negação de direitos fundamentais. Combatê-la responsavelmente é construir a paz e é uma tarefa que terá de envolver toda a comunidade, com as suas instituições artísticas, culturais, desportivas, políticas, recreativas, religiosas e sociais.
Com iniciativas preventivas ou de minoração e com uma multiplicidade de respostas sociais, entre nós o combate à pobreza tem encontrado nas Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) um precioso e determinado contributo.
No conjunto nacional, são, exactamente, 4896 as IPSS, que empregam cerca de 200.000 trabalhadores, são responsáveis por cerca de 4,3% do PIB e apoiam, directamente, à volta de 600.000 utentes e respectivas famílias e, indirectamente, uma muito mais alargada e significativa parte da comunidade nacional. Na sua globalidade, segundo o refere a Carta Social de 2006, representam 70,3% do conjunto das respostas sociais.
Umas (cerca de 41%) são de iniciativa da Igreja Católica, muitas de inspiração cristã, algumas de outras igrejas e outras de iniciativas de cidadãos e organizações civis.
Todas voluntárias e todas expressões de uma solidariedade responsável. Muitas são genuínas manifestações do exercício de cidadania e muitas delas são fruto da caridade. Todas são um indubitável contributo para a inclusão social e para a minoração da pobreza e para a instauração de uma verdadeira fraternidade.
A história da cultura portuguesa demonstra que, em determinados momentos da sua vida, nas nossas comunidades, inspiradas pela matriz cristã e confrontadas com certos desafios, sempre apareceram voluntários, com generosidade e com alguma originalidade, a responder com respostas sociais, o que as colocou entre as mais inovadoras.
Exemplos disso são as associações de protecção ou de solidariedade, os centros de bem-estar (sociais, sociais culturais ou sociais paroquiais), os infantários, os institutos, as misericórdias, os movimentos de apoio, as obras, as veneráveis ordens...
Nascidas de uma convergência de vontades de pessoas solidárias, que se aproximam para serem próximas, e que se organizam em virtude da consciência dos valores da sociabilidade e da fraternidade, tais Instituições têm contribuído decisivamente para a consolidação de um novo tipo de sociedade, constituída a partir da base ou, se quisermos, a partir de comunidades concretas.
Para além deste aspecto, elas têm despertado ou consolidado, nalguns casos, as vontades singulares, para o sentido da partilha dos bens e para a efectivação de legados e fundações, verdadeiro manifesto da dimensão social da propriedade e do destino universal dos bens a favor de todos os homens.
Ao mesmo tempo, têm promovido e permitido a possibilidade de emergência e desenvolvimento de uma nova consciência social, como expressão de um serviço que traduz o sentido do coração e da gratuitidade, na vida dessas comunidades.
Demonstrando ainda que, quando as estruturas, os mecanismos sociais e os próprios sistemas o permitem, ou não o impedem, as comunidades, ou ao menos as vontades associadas como expressão destas, têm capacidade de tomar iniciativas, de se organizarem e de se mobilizarem na construção da sua própria vida e cultura.
Aliás, isso tem a ver com a consciência do sentido de fraternidade e de responsabilidade que essa mesma experiência despertou, ao promover a participação de todos na condução dos destinos da comunidade.
São eloquentes expressões do exercício da cidadania, da caridade e da solidariedade.
Simultaneamente, são a consolidação da importância do contributo de todos na causa comum, são a afirmação de que não há inclusão sem envolvimentos colectivos e afectos vividos e são a consagração da subsidiariedade como princípio inspirador de uma prática de boas práticas.
A identidade de tais Instituições é expressão da responsabilidade assumida e da entrega voluntária a sensibilidades, a capacidades de intuir necessidades e projectar ideias, propósitos, respostas e sonhos.
São seus artífices os voluntários por uma decisão espontânea, apoiada em motivações e opções pessoais e têm como ponto de chegada o altruísmo, a frater-nidade, a descoberta de que a acção ganha força e sentido em função das necessidades do outro.
Fazem-no livremente e de uma forma responsável, assim participando gratuitamente na construção de um Mundo melhor, onde a paz se constrói e onde o sorriso que fazem nascer ou renascer é a expressão da esperança que ousam sonhar e partilhar.
Pe. Lino Maia, Presidente da CNIS