Dossier

Inverno demográfico ameaça Portugal

Maria Filomena Mendes
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Governo e cidadãos devem perceber as consequências que a actual baixíssima fecundidade acarreta para a sociedade

Em 2007, Portugal registou um valor do índice sintético de fecundidade de 1,3 filhos por mulher e, por esse facto, passou a pertencer ao grupo de países que na Europa (e no mundo) apresentam índices de fecundidade, do momento, dos mais baixos de sempre. No início da década de 60 do século XX o valor daquele índice era 3,1. Em 1980, ainda se situava nos 2,1 filhos por mulher, o que significava que, se se mantivesse, estava assegurada, no seu limite, a substituição das gerações. No entanto, nos vinte anos que se seguiram a fecundidade diminuiu tão rapidamente que no virar do século se tinha reduzido para metade (1,5 filhos por mulher). Nos primeiros anos deste século a fecundidade das mulheres portuguesas continuou a diminuir ininterruptamente. A par da redução do número de filhos, o modelo de fecundidade em Portugal sofreu uma outra alteração: o adiamento da idade em que se é pai ou mãe. Os portugueses têm não só cada vez menos filhos, como têm esses filhos cada vez mais tarde (a idade de nascimento do 1º filho era, em 2001, de 27 anos para as mulheres e de 30 anos para os homens). A simultaneidade destes dois comportamentos - redução e adiamento - conduziu aos valores baixíssimos que se verificam neste momento. A manutenção deste adiamento poderá vir ainda a agravar a situação de baixa fecundidade, uma vez que nem todos os nascimentos adiados poderão vir a ser recuperados mais tarde. Isto é, por vezes já não será possível aos casais realizar a fecundidade desejada (por exemplo, devido a problemas de infertilidade que se agravam com a idade) ou porque simplesmente o facto de terem estado muito tempo sem ter filhos fez alterar a sua intenção de fecundidade inicial. Todavia, quando os casais pararem de adiar o momento de nascimento dos filhos, o que inevitavelmente tenderá a acontecer dentro de alguns anos, o número de nascimentos anuais irá aumentar sem que o modelo de fecundidade se tenha necessariamente alterado. O primeiro passo para a mudança é a consciencialização por parte dos cidadãos e dos governos da gravidade do problema e das consequências que esta baixíssima fecundidade acarreta para a sociedade. A explicação do declínio da fecundidade não se pode limitar à constatação de um acréscimo dos níveis de instrução e de actividade por parte das mulheres. Ao contrário do que por vezes se afirma não são necessariamente as mulheres empregadas que têm uma menor probabilidade de ter filhos, o mesmo acontecendo com as mais instruídas. Um maior grau de instrução e a participação no mercado de trabalho, possibilitam um maior rendimento para a família e aumentam a probabilidade do casal ter filhos. Nas respostas aos inquéritos sobre o número de filhos que gostariam de ter, homens e mulheres indicam sempre, em média, um número de filhos superior àquele que efectivamente têm. Se os jovens têm realmente um número de filhos inferior ao desejado torna-se crucial garantir os meios e um ambiente propício a que possam realizar essa fecundidade. Inúmeras variáveis devem ser contempladas desde mais tempo para a família, no caso das mães e dos pais que trabalham, maior flexibilidade de horários, uma rede de equipamentos de guarda e cuidado das crianças mais alargada e ajustada às reais necessidades dos pais, licenças de maternidade mais prolongadas, maior apoio financeiro às famílias com filhos, discriminação fiscal positiva em função do número de filhos, políticas favoráveis de habitação e de juventude, entre outras. No entanto, existem duas questões fulcrais que contribuem decisiva e positivamente para o aumento da natalidade: a promoção da igualdade de género, na vida profissional e na vida doméstica, e, a redução da precariedade com que nos dias de hoje os jovens se confrontam quer no mercado de trabalho, quer fora dele (no que respeita por exemplo, à estabilidade das relações conjugais e inter-pessoais). Algumas medidas de política, nomeadamente as que premeiam o nascimento de um filho, através da atribuição de um determinado montante concedido aos pais no momento do nascimento, poderão vir a ter apenas como efeito uma alteração no momento (idade) escolhido para ter o filho e não terem qualquer resultado sobre o número final de filhos do casal. As medidas de política que visem uma melhoria duradoura das condições de vida da família poderão vir a ter maior sucesso. Embora o Inverno Demográfico seja uma realidade inevitável, só poderá não vir a ser tão rigoroso se forem asseguradas as condições que permitam aos pais terem o número de filhos que desejam. Maria Filomena Mendes, Demógrafa, Professora Associada - Departamento de Sociologia da Universidade de Évora


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