Dossier

Jesus Cristo e as espiritualidades cristãs

Domingos Terra
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Domingos Terra, Faculdade de Teologia da UCP

A figura de Jesus Cristo está presente diante de nós como conteúdo e modo da revelação de Deus à humanidade. Temos nela o retrato por excelência de quem é Deus. Por ela se pode perceber como este encara a realidade criada. Isto significa que toda a aproximação humana a Deus e disposição de viver de acordo com o seu desígnio deve ter os olhos postos em Jesus Cristo. Este teve como primeira preocupação cumprir em si a vontade do Pai. Constitui para nós, pois, o modelo a seguir. Todo aquele que se considere seu discípulo deve fazer dele o exemplo a imitar. É claro que a figura de Jesus Cristo é muito rica e multifacetada. Pode-se segui-lo de muitas maneiras, consoante o aspecto que dele se privilegia. Ele suscita múltiplos caminhos de espiritualidade cristã.

A diferenciação destes caminhos explica-se, em parte, pelo ‘terreno humano’ que os executa. A maneira de exercer a espiritualidade cristã é condicionada pelo temperamento, pela história pessoal e pelas coordenadas sociológicas, tanto daquele que a funda como dos que a continuam na história. Não há, aqui, determinismo. Por trás da dita diferenciação está o livre desígnio de Deus. É este que, na sua sabedoria, se serve da realidade humana diversa que criou. Suscita uma figura fundadora para responder às necessidades da Igreja num dado momento histórico. Os caminhos da espiritualidade cristã nasceram pela acção de Deus, que promoveu em tal figura uma nova forma de santidade. Na base de cada um deles, há uma experiência insubstituível, desencadeada por Deus e condicionada, claro está, for factores de ordem humana. É esta ‘experiência-fonte’ que faz com que um caminho de seguimento de Jesus constitua uma realidade una e viva.

Aquilo que Deus suscita na figura do fundador constitui uma ‘intuição original’ na vida da Igreja. Trata-se duma síntese nova daquilo que são os elementos tradicionais da espiritualidade cristã: oração, liturgia, apostolado, vida de comunidade, etc. Cada um ganha uma dada coloração. É também valorizado de determinada forma relativamente aos outros. Mas todos estão presentes nessa síntese. A tal intuição original inspirada por Deus dá origem a uma nova hierarquia dos meios de santificação, ao mesmo tempo que os respeita todos. Cada caminho de espiritualidade emprega-os de modo diferente para alcançar o fim que é comum a toda a Igreja. Supõe-se que formam um conjunto harmonioso, equilibrado e sólido. Não admira que um desses meios ocupe neste o lugar central. Isto faz com que ele ganhe um desenvolvimento que doutra forma não teria. Permite que, com a diversidade dos caminhos de espiritualidade cristã, se manifeste melhor a riqueza da mensagem evangélica, que é a mesma para todos. Cada caminho exprime essa mensagem na sua totalidade, embora com um acento particular. Este vai determinar, assim, o valor e também o limite do que aquele afirma.

Mas todo o modo de seguir Jesus Cristo deve ser examinado pela Igreja. Não pode estar ao sabor de preferências pessoais ou colectivas. É claro que um dado caminho pode revelar-se como o mais adequado para um determinado indivíduo. Este traz consigo as suas circunstâncias, o seu carácter e os apelos que recebe da graça divina. Um caminho pode ser para ele mais eficaz em frutos de santidade do que qualquer outro. Por aí passa a sua especificidade em relação aos restantes. Mas é preciso assegurar que esse caminho não se desvie da intuição original que está na sua fundação. Importa que seja dócil à verificação eclesial. O pior que poderia acontecer a um caminho de espiritualidade cristã seria esquecer o seu carácter parcial e, portanto, imperfeito. Tratar-se-ia duma espécie de idolatria, em detrimento do amor incondicionado que deve haver pela Igreja enquanto tal. Todo o caminho de espiritualidade cristã precisa de mostrar uma atitude de acolhimento face aos outros. Não pode realizar-se como um todo à parte; deve ver-se como parte viva do único todo que é a Igreja. Digamos que o que temos em cada caminho é a própria Igreja a viver mais profundamente um aspecto particular da sua doutrina espiritual, sem excluir nenhum deles.

Domingos Terra



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