Dossier

Jesus Cristo Redentor do Homem

Henrique Noronha de Galvão
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H. Noronha Galvão, Prof. da Faculdade de Teologia - UCP

Ao apresentar a sua primeira encíclica como texto programático para todo o seu pontificado, João Paulo II afirmava desejar que o olhar da Igreja e do mundo se dirigisse para Cristo Redentor. E acrescentava: “do mesmo modo que vejo e sinto a relação entre o mistério da Redenção em Jesus Cristo e a dignidade do homem, assim também desejaria muito unir a missão da Igreja com o serviço ao homemâ€. A própria encíclica abre com a afirmação: “O Redentor do homem, Jesus Cristo, é o centro do mundo e da história.†É, pois, a perspectiva cristológica que caracteriza, desde o início, o pontificado de João Paulo II. Através dela, o âmbito da sua acção pastoral parte do centro do mistério cristão para abranger toda a realidade humana. A Igreja é, assim, situada, em fidelidade ao profundo dinamismo conciliar, como mediação ao serviço das grandes causas da pessoa e da comunidade. O grande marco temporal que surge logo no segundo parágrafo da encíclica é o ano 2000. O Papa já então está consciente de que o Jubileu da passagem para o terceiro milénio será um momento de graça (kairós), propício a que a Igreja e o mundo despertem para o mistério divino de Salvação que habita a história: “O Verbo fez-se carne e habitou entre nós.†(Jo 1,14) Sentido deste mistério só pode ser o do infinito amor de Deus pelo mundo: “Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o Seu Filho unigénito, a fim de que todo o que n’Ele crer não pereça mas tenha a vida eterna.†(Jo 3,16) A perspectiva cristológica precisa-se, assim, numa teologia do Advento, em que se privilegia a vinda de Deus até nós, sobre uma visão que acentuasse a caminhada do homem para Deus: “Estamos também nós, em certo sentido, no tempo de um novo Advento, que é tempo de expectativa.†Todo o pontificado de João Paulo II tem sido, efectivamente, o anúncio do Dom de Deus e o convite a que todos os homens disponibilizem o coração para o acolherem. Só desse modo o homem encontra a verdadeira grandeza que Deus, logo que o criou, lhe quis outorgar. Através da Redenção de Jesus Cristo, o próprio pecado é inserido neste desígnio de Deus. Mas João Paulo II sabe também que, no tempo da Igreja, só pelo Espírito Santo a acção de Jesus Cristo se realiza. A cristologia abre-se, deste modo, à sua dimensão trinitária, com referência explícita também ao Pai. Acerca da verdade que nos revela, Jesus disse: “não é minha, mas do Pai que me enviou†(Jo 14,24). Paradoxalmente, é o mistério divino que habita a Igreja que a torna consciente da sua missão humana e mesmo das suas fraquezas humanas. E é também como Homem que o mesmo Jesus Cristo, nas palavras do Papa, fala aos homens – pela “sua fidelidade à verdade e o seu amor que a todos abraça†(n.7). Nesta primeira encíclica não podia faltar a referência a Maria, que gerou para a vida humana e nos deu como Redentor o Filho de Deus. O mistério de Redenção presente à Igreja (e tornada actual sobretudo pela Eucaristia) revela o amor de Deus que, já na criação, dava origem a tudo o que era bom, e agora, depois que o mal entrou no mundo pelo pecado, nos liberta. O Papa refere todos os sofrimentos e ameaças que caracterizam os nossos tempos, e conclui: “O mundo da nova era, o mundo dos voos cósmicos, o mundo das conquistas científicas e técnicas, nunca antes alcançadas, não será ao mesmo tempo o mundo que ‘geme e sofre’ (Rm 8,22) e ‘espera ansiosamente a revelação dos filhos de Deus’?†(Rm 8,22) Ao salvá-lo, “Cristo, redentor do mundo, é Aquele que penetrou, de maneira singular e que não se pode repetir, no mistério do homem e entrou no seu ‘coração’â€. (n.8) A primeira encíclica de João Paulo II revela-o atento à necessidade não só do diálogo ecuménico com todas as Igrejas cristãs, mas também com todas as religiões. É que, de uma forma ou de outra, estas se integram no desígnio do Pai a respeito de toda a humanidade, não lhes podendo ser estranho, portanto, o mistério de Jesus Cristo e do seu Espírito. O que não dispensa da missão, entendida como testemunho da verdade. E recordam-se as palavras de Jesus Cristo: “Para isto nasci e para isto vim ao mundo: para dar testemunho da verdade.†(Jo 18,37) Palavras como que a confirmar o que antes dissera: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.†(n. 12) O mundo contemporâneo é ainda caracterizado por todos os problemas ligados à vida temporal dos homens e com o papel que aí desempenham as ideologias. Neste contexto surge a célebre afirmação de que “o homem… é o primeiro e fundamental caminho da Igrejaâ€. Um caminho que é traçado pelo próprio Cristo. (n.14) Bastaria analisar todo o magistério de João Paulo II, ao longo do seu pontificado e, particularmente, por ocasião do Jubileu do terceiro milénio, para se poder concluir como o Papa permaneceu sempre fiel ao seu programa, delineado na sua primeira encíclica. H. Noronha Galvão, Prof. da Faculdade de Teologia - UCP


João Paulo II