Dossier

Mundo grande sem lugar para os pequenos

D. António Marcelino
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Li, com o coração e os olhos a não aguentar a comoção e a indignação, o relato de situações ligadas a imigrantes no momento da extradição e o que passam, por vezes, os inspectores que os acompanham ao país de origem. Momentos de desespero e de frustração, também de ódio e de vingança, a somar a outros, não menos dolorosos, de vazio e de abandono. O problema da cidadania universal, que vai além das fronteiras, raças, cores e línguas, é um direito não reconhecido a muitos, um problema não resolvido e ainda nem sequer equacionado. O que pode faltar para isso? O mundo abriu-se ao mundo e caíram as fronteiras da comunicação. Para promover interesses económicos, escancarou-se a janela da globalização, que não aceita facilmente contestação, limites ou regras. Abriram-se as portas do saber e da partilha cultural e já se começa aqui um curso superior, que se pode terminar em qualquer universidade da Europa. As fronteiras do coração também romperam os condicionamentos da língua, da tradição, do peso familiar e casam-se, sem problema, pessoas das mais diversas nacionalidades, culturas e religiões. Só a solidariedade devida aos mais desfavorecidos, sejam eles quais forem, vítimas, tantas vezes, dos erros e prepotências políticas, expropriados de tudo, gente que decidiu lutar pela sobrevivência, sua e a dos seus, em condições tantas vezes duras e humilhantes, não consegue abater fronteiras, gerar leis, abrir corações, dar lugar à legítima esperança de dias melhores. Problema de pobres que os ricos não resolvem. Uma teia, não tecida pelas vítimas, e de que há sempre outros e muitos a beneficiar. Uma teia, verdadeiramente diabólica e desumana, na qual as pessoas só contam como material e ocasião de ganhos e de lucros iníquos. Há décadas, a nossa gente humilde das zonas mais pobres do país abriu-se à aventura da emigração. Contraiu dívidas para pagar quando fosse possível; com o coração desfeito deixou os filhos aos avós e a outros que os pudessem proteger; encheu os pulmões de coragem suficiente para esconjurar medos e imprevistos; não pensou na língua que não sabia, nem sequer no que a poderia esperar. Na bagagem, um nada do pouco que tinha, rompeu fronteiras, na esperança de encontrar pessoas boas que lhe dessem a mão, porque em toda a parte as há. Eu vi muita desta gente vencer dificuldades impensáveis, regressar um dia ou ficar, mas com outro modo de viver, outros horizontes e riqueza feita de experiências duras. Agora, outros vêm até nós. Alguns com mais cultura e saber, todos, como então, carregados de ilusões e desilusões, determinados para vencer. E muitos não encontraram lugar, nem leis que os acolhessem, nem mão que os amparasse, nem respeito pela sua dignidade, já por demais vexada. Que mundo este, tão grande e tão aberto, no qual só os pobres e os pequenos não têm lugar!… António Marcelino


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