Dossier

O ano do pessimismo

Francisco Sarsfield Cabral
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Francisco Sarsfield Cabral

Ao longo do ano predominou em Portugal um clima de pessimismo, decorrente sobretudo da má prestação da economia, ao que se somaram uma terrível seca e uma série de devastadores incêndios florestais. Depois de nos termos aproximado das médias europeias, desde há anos que voltámos a afastar-nos delas. As nossas empresas perderam competitividade e o desemprego naturalmente aumentou. No ano que agora finda ainda pouco se avançou no sentido das indispensáveis mudanças estruturais. Só estas poderão levar-nos a escapar à tenaz que nos estrangula: já não somos capazes de competir com base nos baixos salários (porque outros países, a começar pela China, dispõem de mão-de-obra muitíssimo mais barata) e ainda não produzimos em escala significativa bens e serviços tecnologicamente evoluídos. Maioria absoluta Com a nossa atávica dependência do Estado, esperamos dos políticos que nos resolvam este problema. Em 2005 o Partido Socialista teve a primeira maioria absoluta da sua história. Concorde-se ou não com aquilo que os socialistas preconizam para o País, é bom que um partido possa governar sem ter de fazer acordos mais ou menos pontuais com outras forças políticas, pois só assim poderá ser plenamente responsabilizado. E o Governo de Sócrates tomou já algumas medidas corajosas na redução de certos benefícios em matéria de segurança social e de saúde, em particular dos servidores do Estado. Mas ainda não se vê no horizonte a viragem que nos coloque, de novo, na rota de aproximação aos níveis médios de bem estar na União Europeia. Quase no final do ano, Portugal conseguiu um bom resultado na negociação dos dinheiros comunitários para o período 2007-2013. Os fundos que iremos receber apenas ficarão 10 por cento abaixo dos que vieram nos sete anos anteriores, não obstante a União Europeia ter agora mais dez Estados membros, de modesto nível de riqueza. Mas o dinheiro fácil não induz geralmente a boas apostas de investimento. Não será daí que virá a tão desejada recuperação económica. Crise na UE A retoma em Portugal é prejudicada pelo fraco crescimento económico da Europa. Ao insuficiente desempenho da economia europeia juntou-se, em 2005, o agravar da crise política da União. A França e a Holanda, dois países fundadores da UE, rejeitaram em referendos o proposto tratado constitucional. E não emergiram, ao longo do ano, dirigentes europeus com suficiente capacidade de liderança para tirarem a UE da crise. O acordo orçamental obtido em Dezembro desanuviou um pouco o ambiente, mas a crise vai prolongar-se por 2006. A fraquíssima taxa de natalidade europeia leva ao inevitável aumento da imigração. Ora 2005 evidenciou as dificuldades que os países europeus encontram na integração dos imigrantes. A França conheceu semanas de violentos distúrbios na periferia de algumas cidades, desencadeados pela segunda geração de gente que veio trabalhar e viver para aquele país. Ficou, assim, em causa o modelo francês de assimilação dos imigrantes. O modelo multicultural britânico não revelou, porém, melhor saúde. Os atentados de Londres – há muito esperados, é certo – foram obra de filhos de imigrantes, nascidos no Reino Unido e que até não viviam mal. Atentados que, mais uma vez, vieram chamar atenção para o grande problema actual que é o terrorismo. A força e o direito Entretanto, as coisas também não correram da melhor maneira à única superpotência. Não obstante duas eleições com larga participação de votantes (Outubro de 2004 e Dezembro de 2005), a situação no Iraque ainda não dá sinais de estabilização. O prolongamento da violência no Iraque parece ter afectado a disposição dos norte-americanos, que se revelam agora maioritariamente favoráveis à retirada das suas tropas. Contra o que se esperava, Bush enfraqueceu politicamente no primeiro ano do seu segundo mandato, não obstante a reeleição triunfal em Novembro de 2004. A sua taxa de popularidade desceu e os Republicanos, no Congresso, já não se apresentam unidos em torno do Presidente. A contestação a Bush tem a ver, em parte, com a forma ética e juridicamente discutível como os Estados Unidos tratam os suspeitos de terrorismo, dentro e fora do seu território. A Casa Branca foi forçada a aceitar uma resolução do Congresso que proíbe a tortura de prisioneiros à guarda de forças americanas. Sobre a necessidade de reforçar o direito internacional humanitário, mesmo em situações de guerra e terrorismo, pronunciou-se o Papa Bento XVI na sua mensagem, já divulgada, para o Dia Mundial da Paz (1 de Janeiro). Um texto em que se defendem as organizações internacionais, nomeadamente as Nações Unidas, e se condenam os gastos militares e as armas nucleares. Ali se apontam o niilismo e o fun-damentalismo como fontes inspiradoras do terrorismo. Na sequência de intervenções anteriores de Bento XVI, esta mensagem é, porventura, a melhor homenagem à memória de João Paulo II, que nos deixou em Abril. E é algo que nos lembra que a resignação ao que está mal e o pessimismo como atitude são posições impróprias de um cristão. Francisco Sarsfield Cabral, Director de Informação da RR


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